Por algum tempo as areias brancas da praia de Copacabana, no posto 6, fizeram parte da minha infância. Foi lá que dei meus primeiros chutes em uma bola. Engraçado é que não consigo me lembrar de nenhuma bola que tenha ganhado nessa época da vida. Lembro-me de carros de pedalar, velocípedes, aviões que se entrava dentro, carrinhos de corda, bicicletas, mas nada de bola... Acho que brincávamos com bolas de amiguinhos da Raul Pompéia, onde morávamos, ou mesmo de meninos que encontrávamos na praia.
Bola não era um brinquedo comum. Alias, havia restrições a esse brinquedo. Várias eram as razões. Causavam transtornos os chutes, totalmente sem direção, além de que, o futebol não era bem aceito pelos pais mais severos.
Quem sempre era visto na praia jogando futebol, era o pessoal que descia do morro do Cantagalo para intermináveis peladas, que se estendiam até o pôr do sol. Claro que tudo muito disputado, e recheado de palavrões e bofetes. Definitivamente, não era um brinquedo para meninos de boa família, alem do que, os noticiários esportivos colaboravam com notas sobre jogadores mal educados, como Heleno de Freitas. “
Onde já se viu? Aquele jogador fez gestos obscenos no estádio!” ouvia minha avó comentando com minha mãe...
O tempo caminhou, nossa família foi atingida pela crise da segunda guerra mundial e, depois de perder tudo, resolveu vir para São Paulo recomeçar a vida. Alias recomeçar para os adultos. Para mim, era apenas o começo. Era dezembro de 1949.
Depois de passarmos por uma pensão na Al. Barros e outra na Domingo de Morais, finalmente conseguimos alugar um sobradinho na zona norte, em um bairro que estava se formando: Santa Terezinha. Era uma antiga chácara dos padres Salesianos, que foi loteada e transformada num bairro. Era uma maravilha! Ar puro, calçadas de terra batida, tinha um ar de férias permanentes. Lembrava-me as férias que passávamos em Boca do Mato, no interior do Rio de Janeiro. Isso foi em 1952. Eu tinha 14 anos.
Ouvia às vezes minha mãe comentar, sem lamentos, do tudo que tivera. Carros , choferes, empregados e agora estávamos “recomeçando tudo de novo “.
Eu e meus irmãos estávamos curtindo muito. Fizemos amigos e jogávamos muita bola. Haya e eu. A rua em que morávamos, chamava-se Estrada do Bispo.
Sandino, o mais velho era mais intelectual, voltado para seus estudos de música, sempre desprezou os nossos “rachas”,e Adília, a irmã caçula, gostava de andar de bicicleta e,
Como havia muitos terrenos baldios na vizinhança, juntávamos os amigos, que já eram muitos, e de enxada em punho, íamos construindo nossos “campinhos”.
Em casa, não havia mais a discriminação ao esporte.
Tínhamos que cumprir as nossas obrigações de escola e de casa, depois podíamos jogar nossa bolinha.“ Sem exageros “,sempre recomendava meu pai. Mas, quem queria obedecer a esta recomendação?
Tanto meu pai como minha mãe trabalhavam nessa época no jornal “ O Tempo “.
Saiam cedo de casa para o trabalho e nós para a escola. Voltávamos todos para o almoço, uma vez que não era hábito comer fora de casa, a não ser numa situação excepcional. Eles retornavam para o trabalho e nós... para o campinho jogar bola!
Jogávamos com sol, com chuva, gripados e até com caxumba. Era uma fixação.
Sonhava jogar em um time com camisa. Time da várzea mesmo. Não demorou e apareceu o jogo de camisas do“Infantil Cayru FC.” Esse nome era o que estava estampado nas camisas. Elas tinham sido adquiridas usadas, de “segunda mão”,daí não sabermos a origem do nome.
Nem acreditei no dia que fui buscar o fardamento, pois teríamos jogo no domingo pela manhã, no campo do Botafogo do Mandaqui. Esse era conhecido.
Arrumei o uniforme aos pés da cama, como que quisesse ter certeza que dali só sairia vestido em mim, e fui dormir para acordar bem cedo e estrear o meu primeiro uniforme de futebol. Foi em 1954, eu tinha 16 anos.
Joguei até os 65 anos, me diverti muito. Nunca sonhei em ser profissional. Nunca fui a um estádio (conheço vários) assistir a uma partida de futebol, mas nunca me esquecerei a primeira vez que vesti a camisa do Cayru FC.
Na foto acima agachados da esquerda para a direita sou o segundo e a meu lado Haya meu irmão gêmeo . Lembrança para sempre.
Abaixo, para os admiradores do “ esporte bretão” lances daquele que foi o maior de todos.