Da janela de meu apartamento, localizado na Broadway esquina com a Rua 76 em Manhattan, podia observar muitas coisas interessantes. A cidade com todo o seu charme me fascinava. Queria tomar contato com tudo. Meus olhos não paravam na busca pelo “algo novo”. Quando não estava caminhando no entorno do prédio onde morava, passava um bom tempo grudado nas grandes vidraças das janelas de minha sala, no décimo andar, observando as pessoas lá embaixo. Eram tipos diferentes, estranhos, que me chamavam a atenção. Mulheres passeando com seus animais de estimação, gente vestida com roupas diferentes, tipos estranhos para mim. No canteiro central da avenida, os bancos serviam de descanso para os mais idosos, casais de namorados ou mesmo para solitários encapotados, esses quase sempre, consumindo algum tipo de bebida, na tentativa de afastar o frio ou quem sabe a solidão, um comportamento comum, como constatei no decorrer de minha estada.
A noite a paisagem era diferente. Eram visto grupos de jovens conversando, bebendo, cantando, fazendo algazarras.
Da janela do quarto, o cenário era diferente. Ficava do outro lado do bloco do prédio e, vez por outra, flagrava cenas inusitadas. Briga de casais, adestramento de animais, estudos de músicos, bailarinas ensaiando coreografias e curiosamente para mim, muitos moradores idosos e pouquíssimas crianças.
Lembro-me de uma senhora de idade bastante avançada que, invariavelmente, abria a persiana de seu apartamento por volta das 9 horas da manhã, já vestida, sempre usando luvas e chapéu. Saia, e só voltava no final da tarde. Vim, a saber, mais tarde, que aquela senhora, que já devia beirar os setenta anos, saia para o trabalho. Era telefonista de um hotel nas proximidades.
Mas o bloco ao lado nos oferecia também imagens generosas.
Numa destas ocasiões, flagrei um grupo de moças, que ensaiava uma coreografia de ballet no apartamento bem em frente ao meu. Fiquei um bom tempo a observar aqueles movimentos perfeitamente sincronizados. Estava impressionado. Torcia para que os ensaios se repetissem, com as persianas abertas, para que pudesse assistir a aquele show.
Um dia, recebendo uns amigos para uma sopa, fomos brindados com um ensaio do grupo. Chamei-os até a janela e puderam durante alguns minutos observar. As moças, quando perceberam a platéia, fecharam as persianas e acabaram com nossa alegria. Tudo de maneira bem simpática e cordial.
Desse grupo de amigos fazia parte um argentino, chamado Tony Ruiz, que trabalhava como “mestre de cerimônias”nos shows latinos
Tony era bem o tipo do argentino “charlador”.Vestia-se impecavelmente, penteava-se usando toda a “gomalina” disponível e, com um inglês horrível, conseguia se comunicar e tinha muitos amigos. Era esperto. Não tinha residência fixa. Morava em hotel barato. Chegava de mansinho e, quando a gente, percebia estava morando na sua casa.
Fui a alguns shows que ele apresentou com grupos venezuelanos, porto-riquenhos e cubanos. Saia-se muito bem. Sempre ao final dos shows, juntava-se ao elenco, para comemorar o sucesso, em algum restaurante ou casa noturna. Claro que sem convite algum, aliás, várias vezes fui incluído no pacote, e eu sempre aceitei. Era muito bom. Num destes espetáculos, apresentou um show com elenco de porto-riquenhos, que tinha um “cover”do famoso comediante mexicano Cantinflas e um cantor chamado “El Jibarito”, o qual, me confidenciou ser anunciado como um ídolo mirim, quando, na verdade, já havia completado 25 anos, mas para a platéia, facilmente passava por um adolescente . Tinha a cara de menino, e lógico, não se misturava ao elenco que saia para a noite após os shows, para não levantar nenhuma suspeita. Podia cruzar com algum espectador.
Nessa época ouvia-se muita música hispânica na América. Os discos de Perez Prado, Xavier Cugat, Tito Puente, Sonora Matancera e outros, eram disputados nas lojas de Manhattan. O mercado era grande, e em vista disso, os shows com elenco latino para esse público, eram comuns. Era o “ganha pão” de Tony.
Já fazia uns quinze dias que não tinha notícia do argentino, quando me apareceu em casa, acompanhado de uma mulata estonteante, duas vezes o tamanho dele - “ Carioca, vamos ter um show sensacional com um pessoal de Cuba, que aliás já está hospedado aqui no hotel ao lado, e gostaria que você me ajudasse a fazer companhia as dançarinas, que querem conhecer o Times Square”, e me piscou o olho. Estranhei aquele convite, mas era impossível de ser recusado. Comecei a desenvolver uma conversa com Anita, a simpática cubana, que gostou quando lhe disse que meu pai havia homenageado o poeta cubano Jose Marti, colocando em minha certidão de nascimento, como “middle name”, o nome do poeta. Aquilo a deixou espantada e, quando me dei conta, já eram três as cubanas comigo, desfilando
Meu apartamento, virou refúgio das cubanas, aonde tomávamos Rhum , comíamos batatas chips e tínhamos longas conversas sobre samba, bolero, mambo e cha cha cha. Tudo longe do carrancudo empresário, que as controlava. Mas só as três, o resto do grupo só vim a conhecer no dia em que se apresentaram.
Grandes estrelas faziam parte do grupo. A mais famosa, a cantora Célia Cruz.
Era um grupo grande e antigo, as célebres “Mulatas de Fuego”. Nas conversas muito agradáveis que tive com elas, fiquei sabendo de sua história. Começaram em 1947 no famoso cabaré Tropicana , tiveram varias formações, sempre com seis bailarinas, três cantoras e uma banda. Fizeram vários filmes, viajaram muito pela América e muitas delas se casaram durante as turnês. Deixaram saudades.
No vídeo as Mulatas de Fuego com a orquestra Sonora Matancera e a cantora Célia Cruz.