Tempos atrás, enquanto não se completava 18 anos, a gente se via impedido de fazer várias coisas e claro, era sempre o que a gente mais queria fazer.
Havia um salão de bilhar no bairro de Santa Terezinha, na rua Conselheiro Moreira de Barros, em cima da Padaria Magna, que o Silvio, filho de “seu” Ferreira (um dos donos da padaria) tomava conta. Silvio cantava arias de operas, enquanto preparava um sanduiche de mortadela na chapa ou um sanduiche de churrasco, as grandes atrações dos lanches da casa. O salão de bilhar era muito bem montado .Tinha umas 6 mesas de altíssima qualidade, tacos de primeira , enfim era muito bom.
Silvio tinha um ajudante de nome Mario, que tinha um defeito fisico. Meio corcunda, seu corpo curvava-se para baixo, se locomovia com uma certa dificuldade. Era ele quem colocava as bolas na mesa,quem marcava o tempo no quadro e o principal, era o depositário das apostas feitas durante os jogos de” vida”, 21, disputas de partidas normais e outros, que sempre apareciam. Mas, a grande responsabilidade em seu trabalho, era a de impedir que menores de 18 anos entrassem naquele “antro de vício e perdição”, como rotulavam a maioria das mães do pedaço, inclusive a minha.
Era comum ver mães, namoradas, esposas subindo as escadas que davam acesso ao salão Magna, para tirar seus filhos, namorados e maridos das mesas de jogos infindáveis, principalmente quando o jogo era a dinheiro. Eram quilômetros que se andava em volta daquelas mesas, com a esperança de, na próxima, ganhar ou de continuar a ganhar mais do que já havia ganho. Muitas histórias e mais histórias que se ouvia por alí.
Contam que certa vez, subiu ao salão um jovem que havia passado para tomar um “rabo de galo”com o Silvio, antes de se encaminhar a igreja de Santa Terezinha alí pertinho, aonde se casaria.” Mauricio Cabo de Aço” era assíduo frequentador do bilhar. Aquele apelido ninguém sabia porque. Jogava muito bem futebol.Canhoto no futebol mas destro no bilhar. Chegou a treinar no juvenil do São Paulo,quando o time habitava o Canindé. Um “olheiro”o havia visto jogar no time da Livraria Brasiliense, aonde trabalhav, e fez o convite, mas os constantes atrasos nos treinos por causa do bilhar, acabaram encerrando prematuramente a carreira daquele que poderia ter sido uma estrela de nosso futebol.
Mauricio tomou o seu “rabo de galo”com o Silvio, quando se despedia dos amigos para se dirigir ao seu próprio casamento, em sentido contrario entrava no salão um fulano do Mandaqui, que havia perdido uma grande soma de dinheiro para o Mauricio no dia anterior. Postou-se a frente como que impedindo sua passagem e desafiou “Ontem foi seu dia mas hoje eu quero a forra”. Mauricio argumentou que estava a caminho da igreja para casar, que poderiam marcar uma data para uma nova disputa. Mas de nada adiantaram as explicações. O fulano queria naquele momento. Desafiou, ofendeu, xingou até que Mauricio não conseguiu se segurar e gritou “Mário, monta a mesa 5”, mesa esta, que conhecia mais que a sua própria casa. Todas as “descaidas”e “mancadas “da mesa tinha sob seu domínio.
O casamento estava marcado para as 7 horas da noite. Mauricio havia chegado ao salão por volta das 6, e já eram 7h30 quando Silvio resolveu interferir e acabou com o jogo, salvando um casamento que poderia ter, como a carreira futebolistica de Mauricio, acabado prematuramente. Mauricio depois confidenciou a Silvio, que teve que deixar o fulano ganhar, para poder se ver livre e chegar a tempo na igreja.
Todos os jovens , hoje senhores, companheiros daquela época, tem uma história pra contar das aventuras vividas no Salão de Bilhar da Magna. A gente contava os dias para, ao completar os 18 anos, peitar o Mário e ordenar “Mário monta uma mesa aí!”
Outros programas, assim como a mesa de bilhar, também eram esperados com muita ansiedade, como por exemplo, entrar no Cine Jussara, mostrar a carteira da escola, e deixar o porteiro frustrado por não barrar mais um que queria assistir os filmes de Martine Carol, atriz francesa, cujo dote maior de interpretação, era mostrar os seios desnudos.
O Cine Jussara, ficava na Rua Dom José de Barros, era frequentado por senhores e o cenário preferido por moleques como nós na época, para batizar a entrada aos 18. Difícil encontrar uma senhora ou moça na platéia. Normalmente, quando o filme se encaminhava para seu final, era comum notar o público mais adulto, se levantar e sair antes que as luzes se acendessem. Nós queríamos ficar até a última legenda, na esperança que alguma imagem extra pudesse nos brindar.
Os jovens de hoje, já não precisam mais esperar os 18. Se ligarem TV para assistir aos BBBs da vida, ou alguns canais a cabo, podem descobrir dentro de suas próprias casas desde a mais tenra idade, os segredos e emoções que a nós só foi permitido na maioridade.