Certo dia cruzei nos corredores da Tupi com um personagem gorducho bastante
simpático, carioca, misto de ator e cantor, bem falante, cheio de idéias. Queria que eu
produzisse um show para ele e gostaria de ser acompanhado de músicos de nível. Era exigente o gordinho Ângelo Antonio. Chegou a fazer pontas em novelas e participou de alguns programas de TV, como o “Almoço com as Estrelas” entre outros.
Sugeriu uma choperia na Av Santo Amaro de nome Urso Branco, cujo dono era seu amigo. As choperias estavam na moda. Feito o contato e aprovada a idéia, partimos para a montagem do show e escolha do elenco. Tínhamos alguns nomes como Raulzinho do Trombone, Edson Machado, o pianista Tenório Jr.e outros. Todos os músicos radicados no Rio de Janeiro, cidade do Ângelo Antonio.
Esse era um complicador, pois teríamos que hospedá-los durante a temporada e até antes, durante os ensaios. Optamos por trazer primeiro Tenório, que seria o diretor musical do show e ofereci-me para hospedá-lo em minha casa.
Eu estava casado há dois anos e com um filho, Alexandre de 1 ano. Tenório também era recém casado com Carmem e tinha uma filha, Elisa, recém nascida.
Recebemos Tenório e família com aquela disposição própria da idade. Curtimos muito aquele momento. Pena não termos um piano
Ensaiávamos no Urso Branco, aquele show que nunca aconteceu.
Um dia, fomos surpreendidos com a notícia de que não haveria mais show. O dono do Urso Branco havia vendido o imóvel e nos deixado na mão. Ângelo não se conformava.
Tivemos que desfazer todos os projetos, e nunca mais nos encontramos. Anos mais tarde, fiquei sabendo da morte de Ângelo Antonio e depois do “sumiço”de Tenório .
Recebi uma carta de Tenório datada de 14 de janeiro de 1969 que guardo até hoje e que transcrevo a seguir:
Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1969.
Olá Lafayette. Desejamos que você e todos aí estejam em paz e com saúde.
Por aqui, tudo
Estou trabalhando com a Fernanda Montenegro em “Marta Sare”,peça musical de Gianfrancesco Guarnieri e do Edu Lobo, aqui no Teatro João Caetano.
A direção musical é de Carlos Castilho e eu estou atacando de órgão.
A companhia deve se apresentar aqui até o carnaval e depois vai para SP., onde ficará em cartaz alguns meses; aproveitaremos isto para providenciar nosso retorno a SP, pois temos sentido saudades daí. O Rio é muito bonito, mas não está acontecendo nada por aqui, a não ser 40 graus de temperatura diariamente, em compensação, o povo está cada vez mais mal educado, além disso, a vida está cara e quase não há trabalho para músicos ,em suma,a Cidade Maravilhosa está mesmo uma gracinha...
Por isso, estou até entusiasmado com a volta a SP. Principalmente porque terei mais calma para procurar trabalho em outros setores, devido a este fixo do teatro (vai ser no São Pedro). Quero ver se consigo me entrosar nas gravações aí; andei fazendo algumas gravações com a chamada “turma da pilantragem”, tão em voga (por ai também?) e até me encomendaram alguns arranjos, embora seja destituído de qualquer valor artístico, está tendo êxito comercial, o que é bastante para que os produtores inundem a praça com isso... Aqui não se faz outra coisa...
Bem, vou ficar por aqui, espero receber notícias de vocês, de qualquer modo, vamos nos encontrar
Até já e um grande abraço do Tenório.
O nosso endereço aqui é o do meu sogro: Av. Mal. Floriano 38 apto. 1010-centro R.J.GB.
Em 27 de maio de 1976, Tenório Jr desapareceu na Argentina, quando fazia uma temporada com Toquinho e Vinicius de Morais.
2 comentários:
Notável o texto, Lafa e muito legal você publicar essa carta de tom pessoal, mas que à luz (ou melhor seria à sombra) dos fatos adquiriu um valor histórico enorme. Talvez eu poderia linkar este post na minha crônica sobre o sumiço do Tenório aqui em Buenos Aires.
Grande abraço
Obrigado Juan,acho que seria muito bom você linkar este post sim a sua bela crônica,aliás como todas que faz. Abraços do Lafa
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