sábado, 28 de fevereiro de 2009

1959/Sammy Davis Jr.


Uns dois anos antes de viajar para New York, um de meus programas prediletos, era garimpar discos de música americana em lojas da região da Av. São João. Eram muitas, e no bairro onde eu morava, não existia nenhuma. Saía de Santa Terezinha, zona norte, no ônibus da linha 44, que pegava ao lado da banca do jornaleiro Piolim, e depois de 30 a 40 minutos descia no  ponto final, que ficava na Av. Casper Líbero, bem em frente ao prédio do jornal e rádio Gazeta. Seguia pela Av.Ipiranga, e logo estava no meu paraíso. Alí fui apresentado a Errol Garner, Mahalia Jackson, Billie Holliday, Louis Armstrong, Count Basie, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Billy Eckstine, Cannonbal Adderley, Sammy Davis Jr, e muitos outros, que passaram a fazer parte do meu dia a dia até hoje.

Quando em 1957 fui para New York, por imposição de meu pai tive que deixar todo o meu garimpo por aqui. Dizia o meu querido “velho”, que lá teria material suficiente, para suprir o que deixara. Meu irmão Haya cuidaria de meu acervo, como, aliás, cuidou muito bem. Mas, alguns LPs, fiz questão de esconder no fundo da mala de viagem, por via das dúvidas.

Um desses tesouros que levei, foi um disco LP intitulado “Starring Sammy Davis Jr.” da gravadora Decca Records. Nele, Sammy cantava, sapateava e imitava alguns cantores e atores cantando. Na faixa que interpreta “Because of you”, ele iniciava  dizendo “actually actors wanna be singers and singers wanna be actors”. Aí, imitava James Cagney, John Wayne, Gary Cooper, Peter Lorre, James Stewart, todos cantando ou fazendo de conta…Imitava também com perfeição  Billy Eckstine, Nat K. Cole, Tonny Bennett, Mel Tormé, Matt Monro e Louis Armstrong.

A faixa que mais gostava era “Hey There”.Consegui repor esse LP várias vezes, até tê-lo hoje, em meu arquivo do ITunes, junto com outras pérolas, como”Don’t Blame me”,”Dedicated to You”,”Laura”,”The Birth of the Blues” e outras.

Quando morei na casa de Nicolas Silfa, exilado político dirigente do Partido Revolucionário Dominicano, e companheiro do militante peruano e dirigente aprista Guillermo Hohagen, meu saudoso pai (se não me engano na rua 92), fiquei sabendo que era vizinho do  famoso Apolo Theater.

Tinha ouvido histórias incríveis daquele lugar, que revelou  nomes como Ella Fitzgerald, Mahalia Jackson e muitos outros cantores e instrumentistas em suas famosas tardes de shows de “novos talentos”, uma espécie de programa de calouros. Claro, fiquei ansioso por conhecer aquele verdadeiro templo do jazz, spirituals e da música norte americana.

Certa manhã de sábado, peguei um subway e fui visitar o Harlem, que ainda não conhecia. Nunca nos meus 20 anos de idade, tinha visto algo semelhante e que me chamava muito a atenção. Nas bancas de jornal, estavam expostas revistas Ebony com lindas mulheres negras na capa, os outdoors, lembro-me bem das propagandas da Kodak, com bebês negros e as lojas de brinquedos  com bonecas negras.Era a América racista, que me estava sendo apresentada.

Enfim, cheguei ao meu destino, que era o Apolo Theater. Não pude acreditar no que via. Em seus letreiros luminosos o anúncio “Tonite Sammy Davis Jr. Show”. Não hesitei. Aquele seria meu programa de sábado.

A noite tentei convencer o amigo Silfa e sua querida companheira Lucy a me acompanharem, mas sem sucesso. Fui sozinho.

A primeira parte do show ficara por conta do ex-boxeador Sugar Ray Robinson, que tentava carreira no show business. Cantou, dançou apresentou alguns convidados, mas não convenceu. Sua carreira artística, ao contrário da de boxeador, foi bem curta. Encantou os amantes desse esporte. Suas lutas contra  Carmen Basílio pelo título mundial, foram fantásticas. Era elegante e técnico.

Mas ai chegou a hora daquele negrinho feio, caolho e baixinho entrar no palco, e se transformar em um negro lindo e imenso, que tomou conta da platéia extasiada.

Confesso que a emoção me dominou por várias vezes durante o show. Seu sapateado, sua voz potente, e sua versatilidade - tocou trompete e bateria, fizeram o público delirar.

Em um momento do show, em que imitava Louis Armstrong, usava um lenço, como o velho Satchmo fazia. Após o número, lança o lenço  para a platéia. Lamentei não estar na fila do gargarejo, meus dólares chegavam só pra galeria.

Fiquei no meu lugar após o término do show. O teatro se esvazia e lota a seguir. Começa a próxima sessão.

Impressionante! Tudo exatamente igual! O mesmo timing! E o lenço de novo atirado para a platéia... e eu na galeria, mas feliz por assistir o maior show-man de todos os tempos.

Sammy Davis foi o primeiro negro a ter um programa próprio na TV americana.

Faleceu em 1990 aos 64 anos de idade, em decorrência de um câncer na laringe, causado pelo cigarro, o principal partner nas suas apresentações.