segunda-feira, 27 de abril de 2009

1968/Ramos Calhelha


 

 

Eu chegava  ao prédio da rádio Tupi, quando avistei na Padaria Real, ponto de encontro do pessoal da emissora, o Helio Ribeiro, nosso diretor, que com um aceno me convidou para um cafezinho.

Estacionei meu Renault Dauphine, e fui ao seu encontro. Helio se mostrava  inquieto e nitidamente  ansioso. Ao me aproximar soltou a pergunta bem baixinho: “o que você acha de trazermos para a rádio o Ramos Calhelha? Eu de pronto respondi “e você acha que o dr. Edmundo Monteiro, na época superintendente dos Diários Associados, vai te liberar verba pra pagar o salário dele? Você acha que ele deixa os Estados Unidos, pra vir trabalhar aqui? “

Eu ia perguntando, e ele com um sorrisinho maroto esperava eu parar com a bateria de indagações, todas sem sentido para ele, para me dar a grande notícia.  

Me fez pagar o cafezinho, e me puxou para fora da padaria em direção ao décimo andar do prédio, onde ficava sua sala. Encostou a porta, ligou seu gravador Akai de rolo, se reclinou na  cadeira com os pés em cima da mesa, enquanto a voz de Ramos Calhelha anunciava um monte de músicas. Chamou Magno Salerno e o Valdir Santos, que eram uma espécie de diretores musicais da Radio Tupi, e exibiu seu troféu.

Helio havia feito um acordo com o pessoal da Varig. Ele enviava a fita virgem com um texto elaborado por Valdir e Magno para Calhelha nos Estados Unido, e lá o locutor gravava o texto e mandava a fita de volta.

Ramos Calhelha era um ícone. Era a voz da Metro, dos jornais da tela, enfim era um profissional cobiçado, mas de certa forma, difícil de ter. Não para Helio Ribeiro.

Ele queria e arrumou a maneira de realizar seu projeto.

A primeira fita do programa, que ia lançar uma parada de sucessos, na espetacular voz de Calhelha, havia chegado. Agora, era só fazer a montagem e colocar no ar.

Helio tinha uns rompantes de criatividade e, enquanto não via a coisa finalizada, ficava inquieto. Não falava no assunto em público.  Apenas com as pessoas envolvidas ou com as mais chegadas, com quem apenas cochichava. Tinha um histórico de idéias copiadas e aproveitadas por pessoas inescrupulosas, que o chateava bastante.

Enfim afinou o projeto, e colocou no ar sua “ parada de sucessos “ com a apresentação de Ramos Calhelha. Foi um estouro!

Tempos depois quando Helio dirigiu a Rádio Capital, concretizou por completo a sua vontade, e trouxe o locutor de volta ao Brasil para trabalhar com ele.

Tive o prazer de desenvolver um projeto para a Radiobrás, com a locução do Calhelha  e a redação do jornalista Teixeira Veloso.

Gravamos vários pilotos. Todos impecáveis. O projeto serviria para transmitir programas para brasileiros residentes no exterior. Infelizmente por problemas políticos, não vingou.

Calhelha nos deixou em 2002. Vivia, já há alguns anos numa chácara em Águas de Lindóia, onde fora viver com sua família.

Só para matar a saudade, ou para os mais jovens, conhecer um ícone da radiodifusão, vale a pena ouvir a narrativa de Ramos Calhelha, nesse texto de Richard Bach, “Jonathan Gaivota .”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 20 de abril de 2009

1965/Boite Oasis


Ficava na Rua 7 de abril, em um “basement”do cine Coral, e era um dos pontos mais procurados pelos boêmios e turistas, que visitavam São Paulo.

A comida era muito boa, mas os “pockets shows” eram a atração maior. Naquele espaço apertadinho, muitas estrelas se apresentaram,  e tivemos o privilégio de participar de algumas dessas performances.

O horário dos shows era os dos verdadeiros boêmios. Invariavelmente começavam após a meia noite. Não era nada confortável para meu irmão Haya e eu, mas tinham lá as suas recompensas, como usufruir daquela comida maravilhosa, que nos era servida, como se fôssemos os melhores clientes da casa.

O primeiro show que dirigimos na Oasis, foi com o Zimbo Trio e Ellis Regina, no auge de sua carreira. Tinham chegado de uma turnê de muito sucesso pelo Peru e Argentina, e o Zimbo havia ganho o Troféu Roquete Pinto de melhor conjunto instrumental.

Fomos  procurados na Rádio Piratininga, onde produzíamos e apresentávamos o programa “Bossa à Noite “, por Roberto, um funcionário de Marcos Lazaro, empresário da cantora, que solicitava nossos serviços para a iluminação e direção de cena do show, que marcaria uma temporada do pessoal na boite.

Achamos a proposta financeira muito baixa e nos recusamos a fazer o trabalho.

Nossa contraproposta foi recusada. Mas no dia seguinte, eis que o emissário de Marcos Lazaro volta a nos procurar, o Zimbo e Ellis, impuseram nossos nomes para  execução daquele trabalho.

Foi uma temporada que deixou boas recordações. Zimbo em grande fase e Ellis, a sensação do momento, vibrando muito com a iluminação que criamos, pois destacava  os movimentos que eram uma marca registrada, das suas interpretações.

Nos bastidores, enquanto aguardávamos o horário de entrar em cena, as conversas sempre agradáveis com o Luiz Chaves, e a paquera com a crooner do conjunto, que fazia a música da casa.

Terminada essa temporada, fomos chamados para mais um trabalho na Oasis.

Dessa  vez, o show vinha do Rio e era uma adaptação da peça de Carlos Lyra e Vinícius de Morais, “Pobre Menina Rica”, e tinha no elenco Baden  Powell e Dulce Nunes, com direção de Ruy Guerra.

Baden , considerado nosso melhor violonista, já conhecíamos, mas nem com Dulce nem com Ruy, tivéramos tido oportunidade de trabalhar.

Ruy era observado pela ditadura em tudo o que fazia daí fazer algo paralelo a seus filmes e composições, como esses pockets shows.

Dulce era mulher de Benê Nunes, um pianista famoso, o preferido do presidente Juscelino, freqüentador da alta sociedade carioca, que  tinha o hábito de abrir as portas de seu luxuoso apartamento para a turma da bossa nova.

Mulher sensível, bonita  e de voz cândida, como a das primeiras intérpretes da bossa nova. Sua presença no palco era encantadora.

Nosso trabalho foi o de  executar a marcação de luz,  já concebida pelo diretor. Alguns palpites na iluminação foram dados, apenas em função das limitações do equipamento da casa.

O mais que fizemos  nesse show, foi admirar a música de Baden, a beleza e interpretação de Dulce Nunes, principalmente em ”Estrada Branca”, composição de Vinícius e Jobim, que Ruy Guerra introduziu no show.

 Infelizmente não tive  a companhia do Luiz Chaves  e nem o conjunto musical da casa tinha uma crooner...

Até a proxima segunda feira


domingo, 5 de abril de 2009

1958/Errol Garner

Durante minha estada em New York, conheci lugares aonde se ouvia   boa música e se assistia a bons shows, como no Radio City Music Hall, o Birdland e barzinhos do Greenwich Village, que eram os meus preferidos, e onde se concentravam os músicos da noite, para mostrar ao público e empresários seus talentos.

Chegava cedo, pedia uma coca cola e ficava horas ouvindo o mais puro jazz.

No Birdland, era comum assistir a orquestra de Count Basie com seu crooner  Joe Williams ou algum convidado como Sarah Vaughan, lugar espremidinho, mas incrivelmente mágico.

No tempo em que vivi na  rua 76 com Broadway, costumava ir a um barzinho chamado “Negrita’s, com um amigo filipino, de nome Andrés, que me fora apresentado por Luiz Carlos Piffero ,gaucho, que tinha um daqueles empregos fantasmas  num escritório comercial do governo brasileiro em New York, o IBC Instituto Brasileiro do Café.

Através desses amigos conheci depois o Tadeu Cvintal,  hoje, renomado oftalmologista, Murilo Melo Filho, jornalista e diretor da revista Manchete entre outros,  de quem ficaram as  lembranças de grandes noites de boemia. 

O “Negrita’s”, se não me engano, ficava na rua 45 com a Madison Avenue. Nossa chegada causava certo alvoroço, por nosso estilo brasileiro (éramos a maioria no grupo), e porque o resquício da era de Carmem Miranda ainda pairava no meio musical. Havia um respeito muito grande pela imagem da artista brasileira. Os americanos gostavam de samba, que eu arranhava um pouco no piano.

A primeira vez que fui a este bar, vi que o Andrés sussurrou algo ao ouvido da Negrita, dona e pianista da casa, que ao terminar seu turno musical,  anunciou que havia na casa, naquele momento, um pianista brasileiro. Confesso que já havia tomado umas duas ou mais doses de Johnny Walker, provavelmente, o maior estímulo para que, sem o menor pudor, me dirigisse àquele Baldwin e começasse a tocar, como se fosse um profissional da noite, o que,  definitivamente, não era. Fui empurrado ao palco logo após o anúncio, e só sai porque havia um turno a ser cumprido, e na América existia uma rigidez profissional, se entrasse alguém do sindicato, era complicação na certa.

Vez por outra, Negrita me via e pedia para dar “uma canja “. Ela sabia que a música brasileira agradava, eu também não podia reclamar, pois a caixinha que ficava em cima do piano, se enchia de dólares e Negrita dizia com um sorriso largo: “take it! “. Claro, eu não reclamava, e gastava tudo lá mesmo!

Negrita dividia a música da casa com um pianista negro como ela, e que tinha uma característica bem interessante. Seu estilo me lembrava Errol Garner, um dos meus pianistas preferidos, conhecido pela sua mão esquerda marcante. Só que ele havia adaptado o estilo de Garner a um problema físico, e eu não havia notado. Não tinha o movimento dos dedos da mão esquerda, mas colocava com precisão a mão nos acordes, bem ao estilo de Errol Garner.

Na primeira vez que o ouvi tocar e fui a ele apresentado, fiz um comentário infeliz, achando  que seria um elogio: “ Puxa você tem o estilo de Errol Garner “, ao que me respondeu fria e secamente ”Sorry ,este é o meu estilo “. Eu estava conhecendo o jeito “fino e educado” dos gringos.

Até a proxima segunda feira!