domingo, 29 de março de 2009

1965/Aberto para Balanço



A coluna de " show business, " que Moracy  do Val comandava no jornal "Notícias Populares" começava  assim, na edição daquela semana de abril de 1965: "Opinião generalizada de músicos e cronistas presentes anteontem no TBC: " Aberto para Balanço" foi, em termos musicais um dos melhores shows até hoje realizados em São Paulo".
E eles tinham razão! Fomos felizes a começar com a escolha do nome do show.
O TBC vinha de um sucesso estrondoso com a peça "Os Ossos do Barão"com Otelo Zeloni e grande elenco, e ficaria fechado para algumas manutenções necessárias, pois a peça estava a pelo menos um ano em cartaz. Solicitamos a locação para apenas uma segunda feira, já que o Arena estava ocupado naquela data. Conseguimos a data, e anunciamos que íamos " Abrir para Balanço".
Uma semana antes havíamos feito uma homenagem ao Zimbo Trio, no Teatro de Arena, no show"Zimbo  Concerto"  que foi um grande sucesso. O trio faria uma temporada no Peru e  México, em excursão  programada pelo Itamarati. Lembro-me bem, que para  um dos números que executavam, criamos uma iluminação que destacava o teclado do piano do Hamilton Godoi, os dedos de Luiz Chaves nas cordas de seu contrabaixo e,  num efeito bem legal, colocamos um foco de luz nos pratos da bateria de Rubens Barsoti durante seu solo.  
Queríamos, Haya e eu, fazer algo também diferente e de impacto no show do TBC.
Surgiu a primeira idéia: porque não colocar  dois trios tocando juntos no mesmo palco?
A sugestão foi prontamente aprovada pela equipe de produção e pelo Jongo Trio (Cido Bianchi, Sabá e Toninho Pinheiro) e Sambalanço Trio (Cesar Camargo Mariano , Clayber e AirtoMoreira),  trios que faziam muito sucesso na época.
Completamos o elenco com Walter Santos, Maricene Costa, Pery Ribeiro, Taiguara, Djalma Dias, Marisa, Carlos Castilho e Vera Brasil.
Quanto ao roteiro musical, queríamos músicas novas, alguns lançamentos, o que deixou o elenco bastante satisfeito. Marisa cantou além de seus sucessos, duas músicas novas de GeraldoVandré, acompanhada pelo Jongo Trio e o excelente violão de Carlos Castilho. Este, por sua vez, mostrou um lindo arranjo de "Carinhoso ". Walter Santos apresentou na ocasião alguns temas novos e Vera Brasil acompanhada do Jongo Trio levantou a plateia com "Vai João", um de seus maiores sucessos. O mesmo aconteceu com Djalma Dias, sambista que nos foi apresentado por Jair Rodrigues, o novato Taiguara e Pery Ribeiro.
Tudo corria as mil maravilhas. Som perfeito. Iluminação precisa. Os dois trios, durante todo o show no palco, se revezando nos acompanhamentos e em seus solos, executando seus sucessos. 
O público vibrava satisfeito, até que a surpresa que havíamos preparado para o gran-finale, fez a platéia explodir : Jongo e Sambalanço Trio tocam juntos, com improvisos e malabarismos musicais jamais visto até então em um palco de Bossa Nova! Pelos aplausos recebidos ao final do show, e pelo sorriso estampado no rosto do elenco, percebemos que haviamos alcançado nosso objetivo .
Até a proxima segunda feira

Nas fotos acima, Cesar Camargo Mariano , Sabá e Vera Brasil


segunda-feira, 23 de março de 2009

1966/Juão Sebastião Bar



Juão Sebastião Bar, na época de propriedade do jornalista Paulo Cotrim, era o templo da Bossa Nova em São Paulo. Por ali desfilaram grandes astros paulista da música brasileira, e os cariocas importados do "Beco das Garrafas", reduto do movimento no Rio de Janeiro. Na Major Sertório, alem do "Juão", tinha o "Ela Cravo e Canela ", por onde passaram Claudete Soares, Theo de Barros,Vera Brasil, Hermeto Pascoal, Taiguara, e muitos outros. A casa, de propriedade de um certo Petri, dava muita chance para os novatos.
Para completar, a rua abrigava  o La Licorne conhecida por suas lindas e charmosas mulheres, de vida mais ou menos difícil,capitaneadas pela famosa Laura. 
Por um  tempo, a Galeria Metrópolis, também teve "O  Jogral " do Luiz Carlos Paraná e um barzinho muito interessante, onde só se ouvia Bossa Nova, chamado "Aquela Rosa Amarela " que, por incrível que pareça, era de propriedade do locutor esportivo Silvio Luiz, que mais tarde, casou-se com a extraordinária cantora Márcia. 
Mas, voltando ao "Juão", aquele lugar espremidinho, foi ponto dos grandes da Bossa. Johnny Alf,Cesar Camargo Mariano, Marisa , Elis Regina, Zimbo e os "bicos", como eram chamados pelos músicos profissionais, aqueles que na realidade queriam mesmo, era aparecer. Um destes personagens, conhecida por Teca, nos primeiros acordes subia em uma plataforma, que existia em cima de um pequeno palco, e se punha a dançar como se fosse uma coreografia do Lennie Dale ou da Bety Faria.
O segundo andar, com visão um pouco prejudicada para o palco, era dedicado aos que, além de ouvir música,  queriam curtir um bate papo. 
E foi ali, naquele templo da Bossa Nova paulista que participei da produção do mais inusitado espetáculo de minha vida . Um "happening".
O "happening "era uma manifestação artística tendo como base música aleatória e poesia concreta, que reunia artistas de diversos segmentos em uma performance criada na hora, sem roteiros nem scripts.
Já tinha assistido algo parecido, mas na rua, quando morei em New York.
Propus ao amigo  Blota Neto  novo dono do Juão, que queria dar um "up "na casa, fazer algo diferente e ele topou.
Falei com meu irmão, o maestro Sandino Hohagen que gostou da ideia e junto com seus colegas também maestros Rogério Duprat, Damiano Cozzela e o poeta  Decio Pignatari, comandaram a maior loucura que lá se viu. Vários alunos de música do Rogerio e do Cozzela  foram convidados e se integraram ao quarteto.
Decio lia suas poesias concretas, uma vitrola tocava hinos patrióticos, Sandino regia a "nona sinfonia"de Beethoven apenas lendo a partitura, sem música..
O público começou a se entusiasmar e a interagir. De repente, vai ao palco um rapaz fazendo um discurso inflamado em alemão, Rogerio Duprat com um penico na mão fazia coleta de doações e depois jogava as moedas para o público. A imprensa, que dava ampla cobertura ao evento, também aderiu e no dia seguinte, 10/05/66 o Jornal da Tarde, a Folha de São Paulo, Última Hora e Notícias Populares, publicavam  com destaque aquela "explosão criativa".
Na parede de fundo do palco um imenso out-door da propaganda do famoso xarope São João, com a célebre frase do sujeito ameaçado de mordaça: "Largue-me. Deixe-me Gritar "

segunda-feira, 16 de março de 2009

1977/Dick Farney


 

Durante um período de minha vida profissional, em que tinha como atividade principal uma assessoria de imprensa, trabalhei com restaurantes, casas noturnas, boates, gravadoras, artistas, cirurgiões plásticos, emissoras de rádio, Rede Ferroviária Federal, enfim, não podia escolher clientes e tinha a obrigação de ser versátil e criativo, para atendê-los bem.

Muitos dos profissionais, que naquela época estiveram comigo como estagiários, hoje, com muita satisfação, os vejo como editores, colunistas, enfim bem sucedidos em suas profissões.

Alguns desses clientes faziam questão de serem atendidos pessoalmente por mim ou pelo Haya, meu irmão e sócio. Outros, nós é que fazíamos questão de atendê-los. Por exemplo, a Rede Ferroviária Federal, cliente que nos foi indicado pelo amigo Samir Razuk,  na época  superintendente comercial da rede Bandeirantes de Rádio, também nossa cliente, era atendida pela saudosa jornalista Gisela Bisordi.Era um trabalho bem difícil, mas não para ela, muito competente e paciente.

Restaurantes, geralmente, queriam nos ver na casa com freqüência, almoçando ou jantando. O mesmo acontecia com as casas noturnas, que só nos interessava freqüentar, quando tinham atrações musicais do nosso gosto.

Na Rua Santa Izabel, nessa época, tínhamos um cliente,  uma “boate” (o que hoje não existe mais naqueles moldes) chamada “Chez Regine”. Essas casas começavam a funcionar perto da meia noite e eram reduto de boêmios endinheirados e refúgio de amantes. Tinham um ambiente bem escuro, e a maioria era dominada por uns 3 ou 4 empresários da noite, muitos deles “laranjas”. Uísque falsificado era o que rolava solto e a maioria não servia comida. Uns amendoins, pipocas e olhe lá. A única coisa de honesta que essas casas tinham, era a música. Ah isso sim! Sorte minha, lá no “Chez Regine”, estava contratado Dick Farney que, com  Sabá no contrabaixo e o Toninho Pinheiro na bateria compunham um trio.

Sabá e Toninho, já  conhecia do Jongo Trio, do Dick era fã de carteirinha, mas nunca o tinha visto pessoalmente. Conhecia muitas histórias a respeito de sua carreira, e apreciava muito seu repertório e  estilo. Quando tocava jazz ao piano, lembrava bastante o som de Dave Brubeck, cantando, lembrava Sinatra. Sua voz romântica dava um tempero especial a interpretações de “Alguém como Tu “e “Copacabana”.

Dick nasceu Farnésio Dutra da Silva, e seu pai era músico e dono de um laboratório no Rio de Janeiro, que fabricava a famosa “Matricária”, pozinho que as mães passavam, e até hoje passam, nas gengivas de seus bebês para aliviar as dores causadas pelo nascimento dos dentes. Os primeiros contatos com a música recebeu de seu pai. Contavam seus amigos, que Dick, tinha “ouvido absoluto”, ou seja, reconhecia notas musicais e tonalidades em qualquer ruído. Uma das histórias que se conta sobre ele, é que quando aprontava alguma arte e seu pai o reprimia com algumas cintadas,  gritava em que tom apanhava...

Quando, por causa de meu trabalho, minhas idas ficaram mais freqüentes ao Chez Regine, passamos a conversar mais e nos tornarmos mais íntimos. Percebemos então, que tínhamos pontos em comum: nosso gosto musical, era praticamente o mesmo, éramos divorciados, estávamos no segundo casamento e amávamos nossas atuais esposas. Cheguei a presenteá-lo com um LP de Bill Evans, aonde ele toca “I Love My Wife”. Ele adorou e incluiu a música em seu repertório. Mas o que ele mais gostava de comentar,  era o dia que terminaria sua obrigação de pagar pensão para a ex. Dizia-me que tinha um mural em sua casa, lá na represa de Eldorado, no formato de calendário, em que passava um x em cada dia que acabava. Fazia  com gosto!

Guardo boas recordações do Dick... Quando fizemos o dono do restaurante Antonio’s comprar um piano decente, já que queria te-lo abrilhantando seu jantar, de um show que fez para alta sociedade de Araraquara e que foi durante muito tempo comentado na cidade, e um aniversário seu, no qual fiz–lhe uma surpresa, trazendo o excelente saxofonista argentino radicado no Brasil e que fez parte de seu quarteto, Hector Costita. Combinamos com Sabá e Toninho e com o próprio Costita . A um sinal meu, Sabá  sugeriu que tocassem Tangerine, um de seus números preferidos. Aos primeiros acordes, Costita entrou pela “boate” adentro, e ficaram pelo menos 1 hora improvisando, no mais puro jazz. Ao final, ovacionados, puxamos o côro de “parabéns a você”.

Foi muito bom!. Pena que Dick tenha partido tão prematuramente. Tinha apenas 65 anos!

domingo, 8 de março de 2009

1964/Bossa de Bolso


Esse foi o nome que os estudantes secundaristas do Colégio Rio Branco, deram a um show, que nos encomendaram nesse ano. As faculdades promoviam grandes shows, em função das verbas, que seus centros acadêmicos possuíam, e também porque seus alunos estavam fortemente engajados não só no movimento da bossa nova, mas  também naqueles que repudiavam a ditadura militar. Daí a vontade de manifestação, e nada melhor, que unir  música ao protesto, o que era feito por todos os cantos deste planeta.

Os secundaristas não estavam alheios ao que se passava. Fomos procurados por um grupo, quando estávamos no Teatro de Arena. Lembro-me que um deles, tinha o sobrenome Leal, o outro Cunha Bueno, e um terceiro, Freitas. Achei a principio um pouco audacioso o projeto, pois queriam um show com artistas de nome e se comprometiam a entregar todos os cachês no camarim, antes do espetáculo começar.

Sugeri Cesar Camargo Mariano, que acabara de desfazer seu Sambalanço Trio, pois o bateirista Ayrto Moreira fora acompanhar Flora Purim. Assim, Toninho Pinheiro o substituiu e  Cleiber assumiu o contrabaixo. O show contou ainda com o Bossa Jazz Trio (cujo líder era Amilson Godoy),  Carlos Castilho, Ana Lucia, Tuca e Taiguara.

Os organizadores fizeram questão de incluir dois estudantes no elenco. Fizemos uma previa audição e como não comprometeriam o show , deixamos que cada um apresentasse um número, para delírio da platéia formada na maioria  por seus colegas.

O que os estudantes do Rio Branco não imaginavam

, é que eu estava fazendo contato com um conjunto vocal que era, como ainda é, o meu preferido e que seria a atração maior daquele “Bossa de Bolso” - o quarteto vocal  ”Os Cariocas”.

Conversei durante dias com Severino Filho, para que pudesse conseguir uma data disponível  para nosso show. Quando  recebi a confirmação e dei a notícia à rapaziada, ficaram muito empolgados, pois tratava-se realmente de uma grande atração.

Sempre me identifiquei musicalmente com o som de conjuntos vocais. Ouvia muito “The Ink Spots “, “ The Mills Brothers” e outros, mas tinha um em particular que gostava muito - o “The Hi-Lo’s, em quem “Os Cariocas “se inspiraram.

A primeira voz sempre cantada em falsete  e que era a especialidade do Severino, líder, arranjador  e idealizador do quarteto, era sua marca registrada.

Naquela noite quando o quarteto entrou cantando “Samba do Avião” a platéia delirou, e confesso, foi um dos momentos mais emocionantes, que vivi durante a época em que trabalhei como produtor de shows de bossa nova. Naquele momento, deixei o lado profissional e assumi o de fã. Vibrei junto com a platéia.