quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

1966/Henrique Lobo


Este foi um ano de muito trabalho e realizações. Estava na Radio e TV Record.

Na rádio tinha um programa noturno  “ Última Audição”, e participava de uma mesa redonda semanal, sob o comando de Henrique Lobo, que analisava os lançamentos fonográficos, com a participação de José Carlos Romeu, Marco Antonio Galvão , Mario Albaneze (o criador do “Jequibau”junto com o maestro Ciro Pereira) e Haya Hohagen, meu parceiro.

Na TV, fazia parte da equipe de produção do “Blota Jr Show “, junto com Blota Neto, José Guimarães, Haya e Lemos Brito, programa este, que ia ao ar às sextas.

Aos sábados a tarde, produzia e dirigia o programa “ Dois  na Gangorra”, que era apresentado por Henrique Lobo. O horário havia sido determinado por Paulo Machado de Carvalho Filho, o Paulinho, que nos deu carta branca. Haya e eu desenvolvemos o programa especialmente para Henrique Lobo. Ele sempre quis apresentar um programa de televisão, nunca escondeu isso. Fiquei feliz em poder ajudá-lo, a concretizar esse desejo.

Henrique foi uma das pessoas que mais admirei, ao longo de minha vida profissional. Além da competência, era um ser humano incrível. Dificilmente era visto nervoso, irritado ou dando bronca em algum funcionário.

A tentativa de trabalharmos juntos começou quando ele dirigia a rádio Excelsior, e se concretizou quando foi contratado pela Radio Record. Não demorou muito para entrar em contato conosco, e fazer o convite. Lá instalado, convenceu Paulinho que os gêmeos tinham competência e criatividade, e poderiam ser úteis a emissora, líder em audiência naquele momento.

Colocar o “Dois na Gangorra” no ar era difícil, pois o programa entrava  as 13 horas e o do Blota , nunca acabava antes da 1 da madrugada. A última atração do “Blota Jr Show” era sempre um musical produzido por Manoel Carlos, e não tinha hora para acabar.

Claro que deixávamos o programa praticamente pronto no dia anterior. Pique na época era o que não nos faltava.

Tínhamos alguns colaboradores, que curtiam nosso trabalho, e estavam sempre nos dando uma força,  até mesmo nos tirando de apuros. Não posso deixar de mencionar nosso diretor de tv  Humberto Wisnik, no estúdio Rubens Moral e Mirabeli, figuras antológicas na história da TV Record.

O esquema do programa era entrevistar duas pessoas, que tivessem profissões diferentes, mas com alguma relação. Assim, entrevistamos um maestro (Diogo Pacheco) e um camelô; um praticante de luta livre e um dentista; um maitre e um garçom; o diretor de trânsito da cidade de São Paulo  e o presidente da Associação Paulista de Automodelismo.Henrique Lobo, sempre muito informal nas entrevistas, surpreendia, e  dava um tempero diferente a cada programa.

No dia que entrevistou o Miroslav, competidor de luta livre e uma dentista, abriu o programa lambendo um tubo de pasta de dentes e perguntando “quem nunca fez isso?”. Em outro programa, enquanto entrevistava um maitre e um garçon, fazia um strogonoff.

Mas, um dos programas mais marcantes, foi a entrevista de um motorneiro de bonde, na época na ativa, de apelido Bailarino, junto com o poeta e publicitário Decio Pignatari. Abriu o programa com o texto do célebre cartaz,  que estava presente em todos os bondes da capital: “Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro, o senhor tem a seu lado, e no entanto acredite, quase morreu de bronquite salvou-o Rhum Creosotado”.

 

sábado, 29 de novembro de 2008

1974/Vôo Especial Vasp


Flavio Musa Guimarães havia assumido a presidência da Vasp (Viação Aérea São Paulo) no governo Paulo Egidio. Numa conversa com meu irmão Haya, durante um evento, sugeriu que apresentássemos um piloto de programa de rádio dirigido ao publico classe A, que gostaria de patrocinar. Flávio nos deu carta branca para criar e veicular o programa, na emissora que achássemos conveniente.

É claro que tudo deveria passar pelo crivo da agência de propaganda da Vasp, que era a Almap, de Alex Perissinoto.

Estávamos à época, dedicados a nossa assessoria de imprensa e a produção de alguns eventos musicais. O rádio nos fazia falta.

Debruçamo-nos sobre este projeto e  gravamos o piloto, no estúdio Publisol, do amigo Salomão Esper, com a locução de Chico Palmeiro, indicado pelo próprio Salomão. Imaginávamos uma voz estilo” Eldorado” e a de Chico, casava-se bem com o que queríamos. No decorrer dos anos, passaram ainda pelo programa, Mario Lima, Carlos Alberto do Amaral, Roberto Arruda e no último ano, acumulei as funções de produtor e apresentador.

A produção musical, era dividida como sempre: Haya selecionando o material de música brasileira, eu o de música americana. Como de hábito, gostávamos de incluir material exclusivo, razão pela qual, usávamos nossa própria discoteca e material que encomendávamos, inclusive para o próprio presidente da Vasp, durante suas viagens.

O programa trazia roteiro turístico das cidades aonde a Vasp chegava, e dicas  com os principais colunistas de literatura, variedades, artes plásticas, cinema, teatro, literatura e sociedade. Era um programa dirigido a classe A,  fomos então buscar, nomes como Sábato Magaldi , Casemiro Mendonça, Olney Kruse, Leo Gilson Ribeiro, Rubens  Ewald Filho, Luciano Ramos , Jacob Klintowitz , Moacir Amâncio, e outros que enriqueceram e deram um toque de classe ao "Vôo Especial Vasp".

Ao finalizarmos o piloto do programa, orientados por Flávio Musa, fomos apresentá-lo a Almap e seu departamento de rádio, para uma avaliação. Flávio havia gostado bastante.

Com a fita do piloto nos reunimos com o departamento competente. Lembro-me de nomes como Otto Vidal, Arapuã entre outros, que analisando o programa, acharam-no semelhante ao "Varig é dona da noite", programa que, durante alguns anos, foi sucesso nas noites da rádio Bandeirantes e criação de nosso amigo Henrique Lobo.

Discordamos totalmente daquela apreciação. Saímos do departamento de rádio da Almap com a impressão de que, aquele pessoal conhecia muito de comerciais para rádio, mas pouco de programas de rádio.

Dalí, fomos diretamente à residência de Henrique Lobo com a fita cassete e o gravador, pedimos que ouvisse, e desse sua impressão gravada no outro lado da fita. Henrique ouviu  atentamente. Em seu depoimento, afirmou que não tinha nada a ver com "Varig é dona da Noite", e elogiou a criatividade do programa.

De volta com o depoimento de Henrique Lobo, Flavio Musa, comunicou-se com  a agência, autorizando a entrada do programa no ar.

Nesse meio tempo, havíamos negociado com Samir Razuk, superintendente comercial da Rádio Bandeirantes, e com Helio Ribeiro, diretor artístico, dia e horário adequados a este tipo de programação: domingos das 22 as 23:45 hs. Durante 4 anos, o programa foi ao ar. Recebeu várias menções na câmara municipal e assembléia legislativa pelo nível de informação, que fornecia a seus ouvintes, mas uma das coisas que mais prazer me deu foi, por várias vezes, ouvir de motoristas de taxi, que me levaram ao edifício Radiantes, que eram ouvintes de meu programa, um programa feito para a classe A.

Saudosamente, deixo com vocês a nossa abertura:

Em São Paulo, 22 horas. A partir desse momento estão suspensos todos os vôos... A partir desse momento começa um vôo especial. Afrouxe os cintos, recline a poltrona e boa viagem...”

Na foto acima Roberto Arruda entre Haya  e Lafayette durante gravação do Vôo Especial Vasp



terça-feira, 18 de novembro de 2008

1968/Helio Ribeiro


Em janeiro desse ano, às vesperas do nascimento de Alexandre, meu primeiro filho, fui despedido da Cia. Ultragaz, aonde exercia as funções de assessor do departamento de comunicação. Cuidava dos press-releases, acompanhava as campanhas publicitárias, fiscalizava nossos comerciais e cenários do Ultranotícias, espécie de Jornal Nacional na TV Tupi, e vez por outra, representava o vice presidente em ocasiões sociais. 
Entrava nos  eventos, cumprimentava, assinava livro de presença e pulava fora.Normalmente eram eventos chatos, mas Henning Boilisen, o vice presidente, nutria uma simpatia por mim e, creio, além de não querer ir, achava que me sentiria importante em representá-lo.
Eu gostava mesmo era de ir até a TV Tupi, checar as coisas, bisbilhotar o cenário e bater papo na redação com o Gonçalo Parada, responsável pelo noticiário, patrocinado pela Ultragaz .
Um dia, enquanto, Boilisen estava de férias, recebi a notícia, de que, por medida de economia, haveriam  cortes no departamento. Eu e mais dois funcionários fomos os atingidos.
Nesta época, morava numa pequena vila nos Jardins, na rua Caconde 117 c/2.  
Numa das casas, que dava fundos pra a vila, morava um advogado, que, de vez em quando, era flagrado de"  robe de chambre", passeando com seu cachorrinho pela calçada. Era Marcio Thomaz Bastos, hoje um renomado jurista e ex-ministro. 
Na vila em frente a nossa, que existe  até hoje, morava o ex-governador Lucas Nogueira Garcez. Enfim, era um lugar que abrigava alguns importantes personagens, e serviu de berço para receber outros não menos importantes.
Eu estava bastante preocupado, pois um desses personagens havia acabado de nascer, e eu precisava trabalhar para sustentá-lo. Aliás, esse , anos mais tarde reencontrou Marcio Thomaz em Brasilia, como advogado da empresa da qual é hoje presidente.
Costumava fazer as compras no Pão de Açucar da Brigadeiro Luiz Antonio, bem perto de minha casa. Era muito comum cruzar com os irmãos Diniz, Abilio, Arnaldo e Alcides, que moravam numa travessa da Brigadeiro e trabalhavam no escritório, ao lado daquela loja. Numa dessas idas ao supermercado, me deparei com aquela figura impar, que era Helio Ribeiro. 
Tivera um breve contato com ele, quando trabalhei na Record e ele na Jovem Pan. Criou vinhetas, mudou a cara da rádio, revolucionou. Cruzávamos  nos corredores da rádio, e ele contava que era ouvinte do programa, Última Audição, que eu fazia com o meu, já conhecido, irmão Haya . Helio, como eu, era fã de Frank Sinatra, arriscava até cantar alguns sucessos do "blue eyes". Tínhamos sempre o que conversar. Ao final destas nossas conversas, vinha a frase: "Precisamos trabalhar juntos". 
E,  naquele dia, quando me encaminhava ao supermercado, Helio estava na porta de uma oficina mecânica, aguardando terminarem o serviço em seu carro, um Mustang. Quando me avistou, foi logo perguntando: "gêmeo o que estás fazendo?" "Estou desempregado", respondi. Ele, na mesma hora, enfiou a mão no bolso trazeiro da calça, tirou um papel e me mostrou: "Olha isso, acabei de assinar contrato com a rádio Tupi, mas não conte a ninguém, pois devo assumir a diretoria artística da emissora somente dentro de 15 dias. E o brother ?"Respondi que o Haya estava trabalhando na TV Bandeirantes. Ele disse que não era problema, tiraria o Haya de lá para que a dupla se refizesse. Ele queria os dois. 
Na rádio Record, tínhamos um esquema no programa, onde o Haya falava de música brasileira, e eu, pela minha vivência e conhecimento, de música americana. Pensei que o Helio nos queria  em seu projeto, por causa disso. Para minha surpresa, ele tinha em mente, algo inusitado. Na cola das escuderias, que eram  sensação da época, haja visto que a TV Record tinha um programa, líder de audiência, que era uma gincana feita com escuderias, Helio criou, e queria o nosso comando num projeto chamado "Somos do Amor do Motor e da Flor. Aproveitaria a estrutura das escuderias, que estavam nos quatro cantos da cidade, e a força da rádio Tupi, para fazer o bem ao próximo. Criou o SST - Serviço Social Tupi.
Centenas de milhares de adesivos foram espalhados pela cidade. Não havia taxi, que não exibisse aquele decalque colorido e muito bem desenhado. Carros rodavam a cidade com aqueles adereços e, a todo o momento, uma vinheta na rádio, anunciava a ação dos" volantes da fraternidade ".
Fizemos muitas campanhas, arrecadamos muitas latas de leite em pó, medicamentos, verbas para o Hospital do Fogo Selvagem, Sanatorinhos, promovemos um natal para mais de 400 crianças, foi um trabalho muito gratificante.
Mas um fato, me marcou muito naquela ocasião. Na porta da Tupi, tinha um garoto que engraxava sapatos. Quando Helio assumiu a direção da rádio, permitiu que aquele garoto subisse, o que era proibido, aos andares superiores do prédio, para poder engraxar mais sapatos e assim, ganhar mais, pois o menino sustentava vários membros da família. Tempos depois, o garoto estava na discoteca da rádio catalogando discos, e alguns anos mais tarde,  Montival Silva, aquele garoto,  ocupava o cargo de superintendente da rádio Capital, que foi montada pelo Helio para Edwaldo Alves da Silva, e de quem, Montival se tornou assessor. Esse era Helio Ribeiro,  gênio e visionário. Nossos caminhos se cruzaram muitas vezes mais.

Na foto representando a Cia. Ultragaz em evento no Palacio do Governo, converso com o secretário de Abreu Sodré,  Felicio Castelano.

 

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

1965/Rádio Piratininga


Desde cedo me interessei por rádio. Garoto ainda, já possuía radinhos de galena, que só eram audíveis através de fones, e que captavam duas, no máximo tres estações. Todas com o mesmo nivel de som. Me divertia muito com isso. Ainda hoje coleciono radinhos de pilha. 
Meu sonho mesmo, era trabalhar em uma emissora de rádio, mesmo antes de saber que, na madrugada de 9 de julho de 1934, meu velho e inesquecível pai, Guillermo Hohagen, foi o responsável pela primeira transmissão radiofônica Brasil-Argentina, promovida pelo jornal "Crítica", do qual era correspondente.
A Rádio Piratininga pertencia a familia Leuzzi, que era do interior, comandada por Miguel Leuzzi, médico e político, e tinha nos jovens membros do clã, a responsabilidade de dirigí-la.Mas a rapaziada não era do ramo, e a emissora era comandada por mãos estranhas, muitas vezes competentes e outras menos. 
Wilson Brasil foi um destes competentes, que segurou o quanto pode a emissora. Lembro-me o quanto sofria, quando nos dias de pagamento de salários, passava alguém do clã e limpava o caixa. 
A rádio  era praticamente sustentada pela Tatuzinho a cachaça da moda. Por lá passaram grandes nomes como Salomão Esper, Silvio Santos, Walter Silva, Lencione Filho, Reinaldo Santos, que comandavam programas como "Torre de Babel", "A Galera do Nelson", "Juvêncio, o justiceiro do sertão", e tinha uma característica: as badaladas dos sinos do mosteiro de São Bento, anunciavam a hora certa, narradas por Salomão Esper.
Nessa época, levados pelas mãos de Berto Filho, tínhamos um programa sui-generis na emissora. Chamava-se "Bossa à Noite". Entrava no ar a meia noite e ia até as 2 da madrugada. Começamos Haya Hohagen, Claudio Mamberti, Renato Correia de Castro e eu. 
A equipe durou pouco, Renatão e Claudio pendiam para comentários políticos durante o programa, o que nos desagradava. Nós quatro, fazíamos comentários sobre os novos talentos, sobre músicas lançadas, mas não queríamos no programa, externar nossas posições políticas, o que era também a orientação da emissora.  Aquele era um programa músical.  Só executava fitas gravadas de shows de bossa nova . Era proibido tocar discos. Como produziamos muitos shows, tínhamos farto material. 
Recebíamos visita dos artistas, que se apresentavam ao vivo. O estúdio da rádio, tinha um maravilhoso piano de cauda Steinway, que mandamos afinar para recepcionar nossos convidados. Assim foi com o Jongo Trio, que lançou seu disco no programa sem tocar uma só faixa. Tudo ao vivo. Assim foi com Zimbo Trio e vários outros.
Começamos com fitas de nossos shows, mas aos poucos fomos exibindo material, que outros produtores nos enviavam. Lá apresentamos musicais famosos, como Arena conta Zumbi e outros. O programa cresceu bastante, e o diretor passou a ceder pessoal da técnica para gravar até shows que aconteciam fora da cidade. 
Nosso público era bem qualificado. No começo ligávamos para o pessoal avisando que íamos por seu  show no ar. Claro que amigos e parentes eram imediatamente acionados, e assim, ia aumentando a audiência. 
Muitas vezes, eles é que ligavam, pra perguntar se estariam no programa daquela noite. Lembro me de uma ouvinte em especial, que nos pedia para avisá-la todas as vezes que seu filho cantasse em nosso programa. Chamava-se Maria Amélia. Seu filho, um jovem estudante de 18 anos de nome Francisco. Chico. Chico Buarque de Holanda.

Na foto acima, o amigo Berto Filho, em visita recente a São Paulo.

sábado, 1 de novembro de 2008

1957/New York


Lembro-me bem da chegada a New York! 
Depois de uma longa viagem até Miami pela Real Aerovias, meu irmão Sandino e eu, fizemos uma conexão para Chicago, aonde ficamos alguns dias, e depois, a bordo de um ônibus de dois andares da Greyhound, chegamos a Manhattan.
Meu pai já tinha providenciado tudo.Tinha alugado um apartamento com um piano na West 76th and Broadway e matriculado Sandino na Julliard School of Music. 
Eu faria curso de inglês e piano com liberdade de escolher um professor de jazz. Até então, nossos estudos  musicais eram restritos a música clássica. Tive sim, grandes mestres. Heitor Alimonda,Guilherme Fontainha e Walter Schultz Porto Alegre foram alguns, na época que morávamos no Rio de Janeiro até 1950. 
Quando viemos a São Paulo, depois que a situação financeira melhorou, ingressamos na Pro Arte do Koellreuter, mestre de Jobim e muitos mais. 
Em NY, estava liberado para minhas incursões na área jazzística. Mergulhei fundo. Já arranhava um pouco de samba canção e música americana, que tirava de ouvido, enquanto meu pai não estava por perto. 
Os primeiros dias de NY foram de pura perplexidade! Central Park, Riverside Drive, Broadway, Times Square, Greenwich Village. Era como se estivesse em um sonho, ter tudo aquilo a minha disposição. Eram cenários de vários filmes que assisti e que participei como  personagem, e que só voltava a realidade, quando os letreiros anunciavam The End. 
Na época, ir aos Estados Unidos, era o sonho de 10 entre 10 jovens da minha idade. Só conhecíamos a terra do Tio Sam através de filmes ou jornal da tela, que era apresentado nos intervalos das matinés de domingo. Agora, estava eu alí. 
Da janela de meu apartamento, podia observar a Broadway com seu trânsito nervoso, carros de bombeiro, de polícia, sirenes, a neve caindo, grupos de jovens, que se juntavam nas esquinas e se punham a cantar ou tocar algum instrumento, quebrando com a música um pouco daquele movimento típico da cidade. 
Meu pai ficou pouco tempo conosco em NY. Mas, antes de partir para alguma missão política (era secretário do partido peruano APRA de Haya de La Torre), nos levou para conhecer alguns amigos, e ele tinha muitos. A maioria exilados políticos. 
Na época,  América do Sul e Central, viviam  o seu período mais fértil de ditaduras. Havia também, os amigos brasileiros do meio cultural e diplomático. 
Certa vez, nos levou a casa de Dna. Nair Mesquita, que era consul e mais tarde se transformou em funcionária emérita do consulado brasileiro em NY. 
Todas as atividades artísticas de que se tinham noticias, eram promovidas por aquela senhora, extremamente simpática e gentil . Ajudava a todos que a procuravam. Gostava de promover todo artista brasileiro, que soubesse estar na cidade. 
Quando fomos apresentados, Sandino e eu, percebemos que Dna. Nair, era velha amiga de meu pai. Sabia até que tinha filhos gêmeos, tanto que, ao entrarmos no grande salão de sua casa, veio em direção a meu pai, cumprimentando-o efusivamente "Guilherme querido que bom te ver! esses são os gêmeos?"Sandino e eu, que somos parecidos só no sobrenome, tivemos que nos conter para não cair na gargalhada. Dna. Nair já estava sentindo a idade chegar.
Naquela noite, com o apartamento repleto de artistas, pintores, músicos, poetas, Dna. Nair combinou um sarau de música brasileira e, evidentemente nos convocou. 
Sandino era, já na época, um excelente pianista e maestro. Tinha regido a orquestra sinfônica da Bahia, acompanhado vários cantores, enfim, pra ele tudo bem, mas eu tinha parado meus estudos de música clássica, e, de música popular, o que tocava, era de ouvido, nem partitura tinha. Mas, tudo bem. Combinamos horários, local, ensaios, etc. Foi feito um programa, divulgado no consulado, nos escritórios comerciais, que na época proliferavam por lá, e no meio dos comerciantes, que alí se estabeleceram. 
Era uma festa brasileira, para brasileiros. E ninguém negava nada para Dna. Nair. Lembro-me que ela, o tempo todo ao telefone, fazendo seus contatos e convites, fazia questão de mencionar, que traria um grande artista para aquele sarau. 
Dia do evento. Apresentaram-se quatro meninas dançando, um trio, que imitava o Trio Irakitã, um pandeirista /passista, cujo nome artístico era "Kiko from  Brazil", eu ao piano (consegui tirar de ouvido de um 78 rotações de Dna. Nair ,"Maracangalha"), Sandino uma peça clássica. 
Na hora da grande atração, um problema: o pianista, que acompanharia a principal atração,  se perdeu, não chegou. Dna. Nair, que era a Mestre de Cerimônia, não teve dúvida, pegou o Sandino pelo braço, e disse: "preciso urgente de sua ajuda, você vai ter que acompanhar o cantor". Sandino na hora tranquilizou-a, disse que podia anunciar a atração, pegou as partituras, dirigiu-se ao piano deu o primeiro acorde, que era a deixa pra Dna. Nair anunciar:
"Ë agora com vocês Ron Coby!! 
Para a surpresa de todos, Ron Coby era Cauby Peixoto. Desnecessário dizer que, realmente, foi a grande atração do sarau.

Na foto acima, na 75th street and Broadway

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

1965/Noites de Bossa

Sem dúvida alguma, o show" Opinião", foi  a grande manifestação músical dos anos 60. Idealizado por  Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, tinha no elenco Nara Leão , Zé Keti e João do Vale. 
Os autores juntaram  a garota de Ipanema, o malandro do morro e o nordestino para, numa narrativa musical muito forte, descrever as agruras do povo
 sofrido. E isso bem no momento, que se instalava a ditadura militar no Brasil. 
Durante o período que ficou em cartaz no Teatro Opinião no Rio de Janeiro, foi visto por mais de 25 mil expectadores . Seus ingressos eram mais disputados que uma final de Fla x Flu. 
No fim da temporada carioca, Nara Leão foi substituida por uma garota franzina,  com uma força incrível de interpretação, que transformou Carcará de João do Vale, em um verdadeiro hino. Era Maria Bethania, l8 anos. 
Em São Paulo, o Teatro Ruth Escobar ia ser inaugurado, e foi o escolhido por Boal para a temporada paulista de "Opinião". 
Bethania era a sensação,  apesar das marcantes participações de Zé Keti e João do Vale.   
No elenco aparecia também, com algum destaque, o violonista Jards Macalé. 
Enquanto na arena do Ruth Escobar "Opinião" fazia sucesso estrondoso, nós produzíamos no Teatro de Arena o "Noites de Bossa". 
A equipe de produção era composta por Moracy do Val, jornalista que tinha uma coluna de variedades no jornal Notícias Populares, Claudio Mamberti e Renato Correia de Castro, os dois, atores desempregados e que viviam lá, na espectativa de algum trabalho, e que, enquanto nada aparecia se uniram a nós, Haya e eu que dirigíamos os shows, e com muita competência, foram nossos coordenadores. 
Cuidavam da afinação do piano, de testar o som, menos a luz! disso, Haya e eu não abríamos mão, apesar do Orion, iluminador do teatro, reclamar o tempo todo, que a gente exagerava naquelas manobras que gostávamos de fazer. 
Boal nessa epoca, mal aparecia no Arena. Estava muito visado pela repressão, assim como o teatro. 
Certa vez, durante uma das últimas apresentações de" Lennie Bossa e Balanço" no Arena, Luiz Vergueiro foi gentilmente convidado a acompanhar um sujeito mal encarado, que o levou direto para uma Veraneio, deixando frustado o colega Solano Ribeiro, que se achou diminuido, por não ter sido incluido naquela detenção. 
O meio artístico estava sendo perseguido. O Teatro de Arena  tinha, por precaução, suspendido todas as peças programadas, e só música rolava por lá. 
Mas numa dessas raras visitas, Boal se aproximou de mim e do Haya para pedir um favor: "A Bethania trouxe do Rio um irmão dela,  estou bancando casa e comida também do irmão, será que vocês poderiam colocá-lo dentro das "Noites deBossa"? o rapaz canta direitinho, e tem umas músicas bem legais. 
Claro que atendemos o pedido do Boal, aliás, o primeiro pedido que ele nos tinha feito, já fazia quase um ano,  fora bem mais complicado que esse: passamos Haya e eu uma madrugada inteira rasgando e jogando dentro da privada do Arena, centenas de exemplares de "Revolução na America do Sul", editado na época pelo Massao Ohno. Não ficou vestígio. 
Mas esse pedido do Boal era tranquilo. 
Dias depois, apareceu o irmão de Maria Bethania. Franzino como a irmã, violão debaixo do braço, sandalias e roupas surradas. Um perfeito retirante. Ficamos meio espantados, mas fomos ouvir Caetano que,  com a voz fragil e se acompanhando  ao violão, cantou "É de manhã é de madrugada..." 
Pedimos se podia aumentar um pouco a potência de sua voz, pois já estava dando microfonia (som apitando). Aos poucos, fomos conseguindo um resultado melhor e Caetano chegou a se apresentar outras vezes . Claro, depois das aulas de Madalena de Paula, acabaram as microfonias.

Na foto, Caetano ao lado de Chico Buarque

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

1965/Bauru Tem Bossa


Fomos procurados, Haya(meu irmão gêmeo) e eu, por um rapaz de nome Paulo Monteiro, de Bauru, cidade do interior paulista, para fazer um show de bossa nova no Tenis Club da cidade. 
Ele queria bons nomes da bossa, e tinha dinheiro suficiente para as despesas, que não seriam poucas. 
Teríamos que montar uma estrutura dentro de um salão de bailes do club, que tinha apenas um palco. O salão era rodeado por grandes janelas de vidro, sem cortinas, o que levantava o primeiro problema: a afinação da iluminação do show. Claro que não tinham nenhum material para iluminar o show. 
Tivemos que contratar um iluminador técnico. Chamava-se Mané, trabalhava no Teatro Aliança Francesa e foi quem instalou varas, spots, canhões gelatinas, resistência, tudo o que hoje, com um simples botão estaria resolvido, mas que na época, era um monte de trambolho. 
Ah, e a afinação, teria que ser durante a escuridão da madrugada. Mas era uma verdadeira curtição! Enquanto o Mané pendurado em uma escada ia fazendo a instalação dos spots, Haya e eu orientávamos as posições, cores e marcávamos no palco posição de piano, bateria, microfones, etc. Assim passamos aquela madrugada. 
Lá pelas 7 da manhã serviço terminado, roteiro do show elaborado, nos dirigimos ao hotel e só voltamos ao Tenis Clube por volta das 3 da tarde para passar o som. O elenco desse show era composto pelo Zimbo Trio (no auge), Claudete Soares, Pedrinho Mattar Trio, a incrível compositora e cantora Vera Brasil , Manfredo Fest Trio (acho que o último show, antes de se radicar nos states), Marcia, Taiguara e Toquinho, que na época só se apresentava como instrumentista. 
Era um super elenco paulista de bossa nova. Todos estrelas e alguns mais vaidosos que os outros...como toda estrela. Chega a hora de passar o som, vem o pessoal do Zimbo  se manifestando contra o posicionamento do trio no palco. Foi até de forma um tanto indelicada, coisa que nos causou estranheza, pois já haviamos feito outros trabalhos juntos e tínhamos um relacionamento muito cortês. Mas nós eramos os diretores do show e fizemos prevalecer o que havíamos determinado, explicando para o grupo as razões. 
O show foi maravilhoso! Fizemos uma marcação de luz para Taiguara cantando "Formosa"que incendiou a plateia!O Zimbo como era a atração maior encerrou o show tendo que voltar pelo menos quatro vezes para o "bis". Foi um sucesso na cidade. 
Na longa viagem de volta, feita de trem, Sabá contrabaixista do Pedrinho Matar e irmão de Luiz Chaves do Zimbo, nos confidenciou que estava ensaiando com o baterista Toninho Pinheiro e com o pianista Cido Bianchi a formação do Jongo Trio, que lançamos em noite memoravel  no Teatro de Arena junto com  Moracy Do Val. 
Mas a nossa história, não termina aqui não! 
Dias depois, em frente ao João Sebastião Bar, que pertecia ao colunista Paulo Cotrim, encontramos Luiz Chaves. Haya e eu ainda estávamos magoados pela forma como eles haviam se comportado no show de Bauru. 
Luiz era um verdadeiro gentleman. Galanteador, bom papo, se aproximou: "irmãos Hohagen, temos uma dívida com voces", chamou Rubinho e Amilton e foi logo ao assunto "queremos nos desculpar, por nossa atitude em Bauru. O fato é que, ao chegarmos a cidade, berço da família Godoi, nos deparamos com uma quantidade imensa de cartazes do show, com destaque para Pedrinho Mattar, aquilo nos aborreceu muito, pois éramos a atração, o Amilton, da cidade, e só aparecia o Pedrinho! depois, ficamos sabendo, que havia sido ele quem providenciara todo aquele carnaval e não vocês, por isso queremos nos penitenciar e pedir desculpas". 
Foi uma atitude digna daqueles músicos elegantes, extraordinários e de bom carater. Saudades do Luiz Chaves, que já não está mais entre nós.

Na foto acima Haya e Lafayette Hohagen

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

1964/Lennie Bossa e Balanço


Estávamos em uma reunião com um grupo de contatos de publicidade, na rua 24 de maio, sede da Midas Propaganda, do Rubem Medina, na época um jovem muito talentoso e promissor, quando meu amigo Berto Filho coxixou ao pé do ouvido, que tinha um assunto pra conversar depois da tal reunião. 
Horas depois estávamos sentados a mesa no Gigeto, que ficava em frente a TV Excelsior, aonde trabalhava Berto Filho, noticiarista apresentador daquela emissora. O assunto era o seguinte: seu colega de emissora, Solano Ribeiro, junto com Luiz Vergueiro,  estavam montando um show de Bossa Nova com um americano, que cantava no Beco das Garrafas no Rio, chamado Lennie Dale. Juntos no show, estariam Marisa (a gata mansa), o passista Gaguinho, quatro bailarinas (me recordo de Yoko Okada, Zuzima,Marilene Silva e Maria Helena Dassam), e o Sambalanço Trio, que era formado por Cesar Camargo Mariano, Clayber, e o baterista Ayrto Moreira. 
Era um pocket show muito bem montado e excelentemente dirigido por Lennie Dale, apesar de não receber os créditos por isso. 
No cartaz do show, que ficava na porta de entrada do Teatro de Arena, era anunciado "Lennie Bossa e Balanço", Produçao de Luiz Vergueiro, Direção de Solano Ribeiro , Coordenação Lafayette Hohagen e Haya Hohagen. Coordenação era um trabalho, que envolvia tudo relacionado ao show, desde acompanhar ensaios, ficar no pé do iluminador, na época um cara muito esquisito e neurastênico, chamado Orion, e cuidar de lanches do elenco, do afinador do piano, do horário que o zelador do teatro deveria abrir para ensaio etc. 
Lennie era um cara muito exigente e perfeccionista. Exelente bailarino, vinha de uma temporada na Broadway, onde fazia parte do elenco de West Side Story. Amava a Bossa Nova. Criou passos de dança de Bete Faria e ensinou muito a Elis Regina. 
Em um dos números do pocket show, Lennie e suas bailarinas faziam um número acompanhado pelo Sambalanço Trio, e a marcação do tempo, que o baterista(Ayrto Moreira) executava, regia a a coreografia e iluminação. Até aí tudo lindo maravilhoso, a não ser a incapacidade do Orion, que sabia apenas ligar e desligar chaves através de roteiros de textos, mas como trocar luz no tempo da música?Foi aí, que teve um baita xilique, jogou prancheta com o roteiro pro ar, mandou todo mundo a merda, chamou o gringo de doido varrido e ficou pelo menos 15 dias sem aparecer no teatro. 
Nesse momento, Haya, meu irmão gêmeo, e eu, assistíamos ao ensaio como sempre, e nos deliciávamos com o piano do Cesar e eu, confesso um olho no Cesar e outro em Zuzima, uma das bailarinas, morena muito sensual, que dançava com Lennie a "Garota de Ipanema". Mas tudo foi interrompido com o surto do Orion. Lennie olhou pro Cesar como que perguntando "e agora?" Cesar, como num jogo de basquete, quando os jogadores fazem aquela triangulação de passes, olhou em minha direção e do Haya, e fez um sinal com a cabeça, como se nos empurrasse direto para a cabine de luz. Ele sabia que nós tínhamos estudos de música, e que sabíamos perfeitamente o que Lennie queria. No fim do ensaio fomos efusivamente cumprimentados e sem consulta, guindados ao cargo de iluminadores oficiais do show. 
O ensaio geral, que precede sempre as estreias, seria no dia seguinte. Foram 18 horas de ensaios. Mas no dia da estréia, no cartaz na porta do Teatro de Arena estava escrito. Lennie Bossa e Balanço - Produção Luiz Vergueiro -Direção Solano Ribeiro -Coordenação e Iluminação Lafayette Hohagen e Haya Hohagen. A partir daquele show iluminamos muitos mais.

Na foto acima Lennie Dale