segunda-feira, 16 de março de 2009

1977/Dick Farney


 

Durante um período de minha vida profissional, em que tinha como atividade principal uma assessoria de imprensa, trabalhei com restaurantes, casas noturnas, boates, gravadoras, artistas, cirurgiões plásticos, emissoras de rádio, Rede Ferroviária Federal, enfim, não podia escolher clientes e tinha a obrigação de ser versátil e criativo, para atendê-los bem.

Muitos dos profissionais, que naquela época estiveram comigo como estagiários, hoje, com muita satisfação, os vejo como editores, colunistas, enfim bem sucedidos em suas profissões.

Alguns desses clientes faziam questão de serem atendidos pessoalmente por mim ou pelo Haya, meu irmão e sócio. Outros, nós é que fazíamos questão de atendê-los. Por exemplo, a Rede Ferroviária Federal, cliente que nos foi indicado pelo amigo Samir Razuk,  na época  superintendente comercial da rede Bandeirantes de Rádio, também nossa cliente, era atendida pela saudosa jornalista Gisela Bisordi.Era um trabalho bem difícil, mas não para ela, muito competente e paciente.

Restaurantes, geralmente, queriam nos ver na casa com freqüência, almoçando ou jantando. O mesmo acontecia com as casas noturnas, que só nos interessava freqüentar, quando tinham atrações musicais do nosso gosto.

Na Rua Santa Izabel, nessa época, tínhamos um cliente,  uma “boate” (o que hoje não existe mais naqueles moldes) chamada “Chez Regine”. Essas casas começavam a funcionar perto da meia noite e eram reduto de boêmios endinheirados e refúgio de amantes. Tinham um ambiente bem escuro, e a maioria era dominada por uns 3 ou 4 empresários da noite, muitos deles “laranjas”. Uísque falsificado era o que rolava solto e a maioria não servia comida. Uns amendoins, pipocas e olhe lá. A única coisa de honesta que essas casas tinham, era a música. Ah isso sim! Sorte minha, lá no “Chez Regine”, estava contratado Dick Farney que, com  Sabá no contrabaixo e o Toninho Pinheiro na bateria compunham um trio.

Sabá e Toninho, já  conhecia do Jongo Trio, do Dick era fã de carteirinha, mas nunca o tinha visto pessoalmente. Conhecia muitas histórias a respeito de sua carreira, e apreciava muito seu repertório e  estilo. Quando tocava jazz ao piano, lembrava bastante o som de Dave Brubeck, cantando, lembrava Sinatra. Sua voz romântica dava um tempero especial a interpretações de “Alguém como Tu “e “Copacabana”.

Dick nasceu Farnésio Dutra da Silva, e seu pai era músico e dono de um laboratório no Rio de Janeiro, que fabricava a famosa “Matricária”, pozinho que as mães passavam, e até hoje passam, nas gengivas de seus bebês para aliviar as dores causadas pelo nascimento dos dentes. Os primeiros contatos com a música recebeu de seu pai. Contavam seus amigos, que Dick, tinha “ouvido absoluto”, ou seja, reconhecia notas musicais e tonalidades em qualquer ruído. Uma das histórias que se conta sobre ele, é que quando aprontava alguma arte e seu pai o reprimia com algumas cintadas,  gritava em que tom apanhava...

Quando, por causa de meu trabalho, minhas idas ficaram mais freqüentes ao Chez Regine, passamos a conversar mais e nos tornarmos mais íntimos. Percebemos então, que tínhamos pontos em comum: nosso gosto musical, era praticamente o mesmo, éramos divorciados, estávamos no segundo casamento e amávamos nossas atuais esposas. Cheguei a presenteá-lo com um LP de Bill Evans, aonde ele toca “I Love My Wife”. Ele adorou e incluiu a música em seu repertório. Mas o que ele mais gostava de comentar,  era o dia que terminaria sua obrigação de pagar pensão para a ex. Dizia-me que tinha um mural em sua casa, lá na represa de Eldorado, no formato de calendário, em que passava um x em cada dia que acabava. Fazia  com gosto!

Guardo boas recordações do Dick... Quando fizemos o dono do restaurante Antonio’s comprar um piano decente, já que queria te-lo abrilhantando seu jantar, de um show que fez para alta sociedade de Araraquara e que foi durante muito tempo comentado na cidade, e um aniversário seu, no qual fiz–lhe uma surpresa, trazendo o excelente saxofonista argentino radicado no Brasil e que fez parte de seu quarteto, Hector Costita. Combinamos com Sabá e Toninho e com o próprio Costita . A um sinal meu, Sabá  sugeriu que tocassem Tangerine, um de seus números preferidos. Aos primeiros acordes, Costita entrou pela “boate” adentro, e ficaram pelo menos 1 hora improvisando, no mais puro jazz. Ao final, ovacionados, puxamos o côro de “parabéns a você”.

Foi muito bom!. Pena que Dick tenha partido tão prematuramente. Tinha apenas 65 anos!

2 comentários:

Márcio Macedo disse...

Pô, na minha inocência sempre pensei que o Dick Farney fosse americano devido ao nome. Mas vou te falar, de Farnésio Dutra da Silva pra Dick Farney foi uma mudança e tanto! *rs*

Manda ver aí nos contos, Lafa!

Abraço do Kibe.

Márcio Macedo disse...

E o Dick - pensando no significado do termo - ainda é meio suspeito, né????