sábado, 1 de novembro de 2008

1957/New York


Lembro-me bem da chegada a New York! 
Depois de uma longa viagem até Miami pela Real Aerovias, meu irmão Sandino e eu, fizemos uma conexão para Chicago, aonde ficamos alguns dias, e depois, a bordo de um ônibus de dois andares da Greyhound, chegamos a Manhattan.
Meu pai já tinha providenciado tudo.Tinha alugado um apartamento com um piano na West 76th and Broadway e matriculado Sandino na Julliard School of Music. 
Eu faria curso de inglês e piano com liberdade de escolher um professor de jazz. Até então, nossos estudos  musicais eram restritos a música clássica. Tive sim, grandes mestres. Heitor Alimonda,Guilherme Fontainha e Walter Schultz Porto Alegre foram alguns, na época que morávamos no Rio de Janeiro até 1950. 
Quando viemos a São Paulo, depois que a situação financeira melhorou, ingressamos na Pro Arte do Koellreuter, mestre de Jobim e muitos mais. 
Em NY, estava liberado para minhas incursões na área jazzística. Mergulhei fundo. Já arranhava um pouco de samba canção e música americana, que tirava de ouvido, enquanto meu pai não estava por perto. 
Os primeiros dias de NY foram de pura perplexidade! Central Park, Riverside Drive, Broadway, Times Square, Greenwich Village. Era como se estivesse em um sonho, ter tudo aquilo a minha disposição. Eram cenários de vários filmes que assisti e que participei como  personagem, e que só voltava a realidade, quando os letreiros anunciavam The End. 
Na época, ir aos Estados Unidos, era o sonho de 10 entre 10 jovens da minha idade. Só conhecíamos a terra do Tio Sam através de filmes ou jornal da tela, que era apresentado nos intervalos das matinés de domingo. Agora, estava eu alí. 
Da janela de meu apartamento, podia observar a Broadway com seu trânsito nervoso, carros de bombeiro, de polícia, sirenes, a neve caindo, grupos de jovens, que se juntavam nas esquinas e se punham a cantar ou tocar algum instrumento, quebrando com a música um pouco daquele movimento típico da cidade. 
Meu pai ficou pouco tempo conosco em NY. Mas, antes de partir para alguma missão política (era secretário do partido peruano APRA de Haya de La Torre), nos levou para conhecer alguns amigos, e ele tinha muitos. A maioria exilados políticos. 
Na época,  América do Sul e Central, viviam  o seu período mais fértil de ditaduras. Havia também, os amigos brasileiros do meio cultural e diplomático. 
Certa vez, nos levou a casa de Dna. Nair Mesquita, que era consul e mais tarde se transformou em funcionária emérita do consulado brasileiro em NY. 
Todas as atividades artísticas de que se tinham noticias, eram promovidas por aquela senhora, extremamente simpática e gentil . Ajudava a todos que a procuravam. Gostava de promover todo artista brasileiro, que soubesse estar na cidade. 
Quando fomos apresentados, Sandino e eu, percebemos que Dna. Nair, era velha amiga de meu pai. Sabia até que tinha filhos gêmeos, tanto que, ao entrarmos no grande salão de sua casa, veio em direção a meu pai, cumprimentando-o efusivamente "Guilherme querido que bom te ver! esses são os gêmeos?"Sandino e eu, que somos parecidos só no sobrenome, tivemos que nos conter para não cair na gargalhada. Dna. Nair já estava sentindo a idade chegar.
Naquela noite, com o apartamento repleto de artistas, pintores, músicos, poetas, Dna. Nair combinou um sarau de música brasileira e, evidentemente nos convocou. 
Sandino era, já na época, um excelente pianista e maestro. Tinha regido a orquestra sinfônica da Bahia, acompanhado vários cantores, enfim, pra ele tudo bem, mas eu tinha parado meus estudos de música clássica, e, de música popular, o que tocava, era de ouvido, nem partitura tinha. Mas, tudo bem. Combinamos horários, local, ensaios, etc. Foi feito um programa, divulgado no consulado, nos escritórios comerciais, que na época proliferavam por lá, e no meio dos comerciantes, que alí se estabeleceram. 
Era uma festa brasileira, para brasileiros. E ninguém negava nada para Dna. Nair. Lembro-me que ela, o tempo todo ao telefone, fazendo seus contatos e convites, fazia questão de mencionar, que traria um grande artista para aquele sarau. 
Dia do evento. Apresentaram-se quatro meninas dançando, um trio, que imitava o Trio Irakitã, um pandeirista /passista, cujo nome artístico era "Kiko from  Brazil", eu ao piano (consegui tirar de ouvido de um 78 rotações de Dna. Nair ,"Maracangalha"), Sandino uma peça clássica. 
Na hora da grande atração, um problema: o pianista, que acompanharia a principal atração,  se perdeu, não chegou. Dna. Nair, que era a Mestre de Cerimônia, não teve dúvida, pegou o Sandino pelo braço, e disse: "preciso urgente de sua ajuda, você vai ter que acompanhar o cantor". Sandino na hora tranquilizou-a, disse que podia anunciar a atração, pegou as partituras, dirigiu-se ao piano deu o primeiro acorde, que era a deixa pra Dna. Nair anunciar:
"Ë agora com vocês Ron Coby!! 
Para a surpresa de todos, Ron Coby era Cauby Peixoto. Desnecessário dizer que, realmente, foi a grande atração do sarau.

Na foto acima, na 75th street and Broadway

5 comentários:

Rodrigo Hohagen (Peu...) disse...

Tio, simplesmente FANTÁSTICO!!!
estou te acompanhando aqui e vendo como o salto de uma geração faz toda uma diferença rs.
grande abraço meu querido!!!

Rose Borba disse...

Isso aí Lafa!!! Estou curtindo muito seus contos!!! bjs

Lêda Rivas disse...

Seguindo sugestão de Flávio Ricco, na coluna Canal 1, vim dar uma olhada no seu blog. Adorei! Já o adicionei aos meus Favoritos e sei que vou curtir muito suas histórias. Vou recomendá-lo aos amigos.
Boa sorte!
Lêda Rivas - Recife - PE

Unknown disse...

Babás, está muito bom o seu blog. estou impressionado com a memória e a riqueza do texto. A cada novo post me transporto para essas suas experiências... Estou muito contente e orgulhoso. Continue, continue... não demore para postar. Beijos, Ale

Unknown disse...

Adorei, Lafa!!! Alugar um apto com piano!!! Demais! bjs, Celinha