domingo, 5 de abril de 2009

1958/Errol Garner

Durante minha estada em New York, conheci lugares aonde se ouvia   boa música e se assistia a bons shows, como no Radio City Music Hall, o Birdland e barzinhos do Greenwich Village, que eram os meus preferidos, e onde se concentravam os músicos da noite, para mostrar ao público e empresários seus talentos.

Chegava cedo, pedia uma coca cola e ficava horas ouvindo o mais puro jazz.

No Birdland, era comum assistir a orquestra de Count Basie com seu crooner  Joe Williams ou algum convidado como Sarah Vaughan, lugar espremidinho, mas incrivelmente mágico.

No tempo em que vivi na  rua 76 com Broadway, costumava ir a um barzinho chamado “Negrita’s, com um amigo filipino, de nome Andrés, que me fora apresentado por Luiz Carlos Piffero ,gaucho, que tinha um daqueles empregos fantasmas  num escritório comercial do governo brasileiro em New York, o IBC Instituto Brasileiro do Café.

Através desses amigos conheci depois o Tadeu Cvintal,  hoje, renomado oftalmologista, Murilo Melo Filho, jornalista e diretor da revista Manchete entre outros,  de quem ficaram as  lembranças de grandes noites de boemia. 

O “Negrita’s”, se não me engano, ficava na rua 45 com a Madison Avenue. Nossa chegada causava certo alvoroço, por nosso estilo brasileiro (éramos a maioria no grupo), e porque o resquício da era de Carmem Miranda ainda pairava no meio musical. Havia um respeito muito grande pela imagem da artista brasileira. Os americanos gostavam de samba, que eu arranhava um pouco no piano.

A primeira vez que fui a este bar, vi que o Andrés sussurrou algo ao ouvido da Negrita, dona e pianista da casa, que ao terminar seu turno musical,  anunciou que havia na casa, naquele momento, um pianista brasileiro. Confesso que já havia tomado umas duas ou mais doses de Johnny Walker, provavelmente, o maior estímulo para que, sem o menor pudor, me dirigisse àquele Baldwin e começasse a tocar, como se fosse um profissional da noite, o que,  definitivamente, não era. Fui empurrado ao palco logo após o anúncio, e só sai porque havia um turno a ser cumprido, e na América existia uma rigidez profissional, se entrasse alguém do sindicato, era complicação na certa.

Vez por outra, Negrita me via e pedia para dar “uma canja “. Ela sabia que a música brasileira agradava, eu também não podia reclamar, pois a caixinha que ficava em cima do piano, se enchia de dólares e Negrita dizia com um sorriso largo: “take it! “. Claro, eu não reclamava, e gastava tudo lá mesmo!

Negrita dividia a música da casa com um pianista negro como ela, e que tinha uma característica bem interessante. Seu estilo me lembrava Errol Garner, um dos meus pianistas preferidos, conhecido pela sua mão esquerda marcante. Só que ele havia adaptado o estilo de Garner a um problema físico, e eu não havia notado. Não tinha o movimento dos dedos da mão esquerda, mas colocava com precisão a mão nos acordes, bem ao estilo de Errol Garner.

Na primeira vez que o ouvi tocar e fui a ele apresentado, fiz um comentário infeliz, achando  que seria um elogio: “ Puxa você tem o estilo de Errol Garner “, ao que me respondeu fria e secamente ”Sorry ,este é o meu estilo “. Eu estava conhecendo o jeito “fino e educado” dos gringos.

Até a proxima segunda feira!



 

10 comentários:

Myself disse...

Conheci este blog há pouco tempo e estou adorando as histórias!

Parabéns!

Cesar M

lafayette hohagen disse...

Obrigado Myself ,espero que continue acompanhando e divulgue o nosso blog. Abraços do Lafa

Raphael Neves disse...

Olá, Lafa!

Pô, acho que hoje não tem mais sindicato não... Mas imagino a cena.

Hoje os clubes de jazz estão profissionais demais. Acho que falta certa autenticidade. O melhor clube em que já fui aqui fica no Harlem, acho que na 125. Quando cheguei com mais 2 amigos, um cara saiu com a cabeça sangrando. Vários policiais na porta. Um dos meus amigos (já pra lá de Bagdá) falou com o dono e ele disse que ia ter música sim. Enfim, foi uma aventura, mas tudo acabou bem.

Bela história.

Abraço,
Rapha

Juan Trasmonte disse...

Belíssima crônica, Lafa!
Precisamos mais desses textos que aos poucos vão costurando o imaginário cultural.
Parabens! E muito obrigado pelos teus elogios ao meu blog.
Abs.

Márcio Macedo disse...

Grande Lafa,

Ontem (de quarta para quinta) li seu post. Quando acordei pela manhã, já indo pra tarde, não tinha aula e fui dar uma volta pelo Harlem. Ao passar pela cruzamento da 125 com a Lenox lembrei do seu post devido a parar de frente com a Lenox Lounge (288 Lenox Avenue/Malcolm X Boulevard). O barato foi durante os anos 40 e 50 after hours de músicos de jazz famosos como Billie Holiday, Miles Davis e Coltrane. Eles faziam shows em clubes localizados em outras partes de Manhattan, mas depois tomavam um "cab" e iam tomar um "negocinho", possivelmente um Walker, e participar de jam sessions na quebrada black da cidade onde era mais tranquilo e seguro (as outras partes de Manhattan não eram nada simpáticas a presença de pessoas de cútis mais escura nessa época). Vi pelo seu post também que já faz uma cara que você gosta de um Johnny Walker, hein? Keep walking man, keep walking!

Abraço do Kibe.

Márcio Macedo disse...

Ah, esqueci de dizer... O Lenox Lounge também o lugar de hanging out de nada mais nada menos do que o "homi": Malcolm X! Fosse quando ele era "correria" - bandido - ou depois que virou líder negro!

lafayette hohagen disse...

Faço uma pergunta para o Rapha e o Kibe que estão ralando em NYC. E o bairro do Village acabou? como faz muito tempo que não vou aos states,estou estranhando de vcs falarem de jazz só no Harlem.
Ô Kibe,o Mr. Walker é meu companheiro realmente de longa data,isso sem falar que já dei minhas cavalgadas num Cavalo Branco ,troquei idéias com o JB (não Figueiredo)e andei tomando umas B12 com club soda(rsrsrs) Abraços

Márcio Macedo disse...

Lafa,

Os clubes de jazz estão espalhados por toda Manhattan, mas o Village não é mais tão alternativo como foi nos anos 50 e 60, berço da beat generation e do jazz. Houve um processo de gentrification e hoje o bairro é, assim como o SoHo, um dos lugares mais caros para se morar em NYC. By the way, Manhattan toda é cara, mas esses são ainda mais. Atrás do lugar onde estudo, Bobst Library (NYU), na Washington Square, está localizado o famoso clube Blue Note, por exemplo, próximo da West 4 Subway Station. O lance que o post do Rapha e meu ressaltaram é que os clubes de jazz mais baratos e alternativos, mais a cara e o bolso de nós estudantes, estão localizados nas localidades menos boêmias de Manhattan (o Village é como uma Vila Madalena atualmente). Semana passada fui num pub nessa pegada no aniversário de uma amiga brasileira: vários grupos trocando jazz, funk, soul, música africana. Não havia cobrança de couvert nem entrada e pagava-se o que se consumia no bar. Uma tip pros atendentes e pros músicos!

Abraços,

Kibe.

Márcio Macedo disse...

A propósito, o nome do pub era Sant Nicks Pub e fica entre as 148 e 149 Street no Harlem!

http://www.yelp.com/biz/st-nicks-pub-new-york

Abraço,

Kibe

lafayette hohagen disse...

Obrigado pelas informações,aliás se voltar a NYC,com certeza vou querer te-lo como nosso cicerone principalmente para conhecer esses clubes de jazz no Harlem,pois acho que alí vamos encontrar muita gente fera. Abços