segunda-feira, 20 de julho de 2009

1959/La Bilbaina


Alguns amigos latinos que eu tinha em New York, perceberam minhas habilidades no futebol. Aconteceu durante uma das tardes, entre uma aula de música e outra de inglês, quando passávamos o nosso tempo disponível no Central Park, batendo uma bolinha. Insistiam que eu deveria procurar um time local, para praticar o meu talento. Provavelmente, a falta de intimidade deles com a bola, os fez crer na idéia de que eu era um “tremendo jogador”. Nem tanto... Apenas lidava com “la pelota” com um pouquinho mais de amor e carinho já que gostava muito dela.

Andrés, um amigo Filipino amante da cozinha espanhola, que costumava freqüentar um restaurante espanhol o “La Bilbaina” em Manhattan, certo dia me convidou para comer uma paella com o objetivo de me apresentar ao dono do restaurante, que também era o “dono”do time Hispano FC., que disputava o campeonato da Liga Metropolitana.

Depois de algumas taças de vinho e de maravilhosas garfadas da paella, que nunca havia experimentado antes, Andrés coadjuvado por mais dois amigos chilenos que nos acompanhavam, entrou no assunto com Pepe o dono e seu amigo - ´’ trouxemos aqui esse brasileiro, que joga muita bola, e pode entrar no seu time a hora que você quiser, claro depois de fazermos um acerto”. Eu levei um susto! Os caras estavam vendendo o meu passe! Bom, não era bem isso. O Clube não tinha dinheiro para pagar ninguém .Era modesto e o pessoal que ali jogava, era da colônia hispânica. Mas eles queriam que eu desfrutasse de algumas vantagens ...e eles na minha cola claro!

Depois de muita conversa, o dono do time marcou um treino, quando eu faria minha apresentação, e assim teria a oportunidade de mostrar ao “coach” minhas habilidades.

Lógico, fui aprovado. Pela foto acima dá para perceber o nível atlético dos jogadores do meu time. Fiz dois gols e dei passe para mais um. Mas como dizia o grande filósofo popular “Neném Prancha”, ”Jogo é jogo, treino é treino”.

Saímos do treino direto para o restaurante. Ali, a farra foi grande, com muita bebida e muita comida. Essa era a rotina.

Rotina também era a dos resultados de nossos jogos. Difícil sair dos carecas gramados nova-iorquinos com uma vitória. Mas a única coisa inadmissível para Pepe, era o time perder de zero. Isso feria a honra dos espanhóis. Se apanhássemos de mais de 3 gols, não tinha nem comida e nem bebida, isso fazia parte do acordo, que era feito com todos os jogadores do time, que entrava em campo com um único pensamento”Qual será o cardápio de hoje e que vinho vamos beber?” Quando o placar era por demais desastroso, saíamos direto do chuveiro para casa ou para algum lugar onde pudéssemos beber, nem que fosse às nossas custas, para comentar o jogo, aliás, o melhor de tudo (depois da comida).

O acordo de “meus empresários” com o Hispano, era de alguns dólares semanais, dinheiro que pagava a condução (e sempre sobrava alguma coisinha), refeições no restaurante e, nas vitórias com gols feitos por mim, podia convidar meus amigos.

Acho que eles só participaram umas duas vezes, pois as vitórias era bem escassas, em que pese a qualidade de nossos adversários. Ah! eles forneciam também as chuteiras. Meu Deus! Pareciam botas de combate e tinham as pontas chapadas como sapatilhas de ballet. Segundo o treinador era para dar “chute de bico”, que ele fazia questão de exercitar durante os treinos, que aliás só aconteciam nas vésperas dos jogos.

Nunca havia calçado nada mais incomodo em minha vida. Ficava com saudades de minhas Alpargatas Rhroda, que usava nas peladas dos campinhos de terra de Santa Terezinha, e que protegiam meus pés delicados. Mas era aquilo que eu tinha para exercer minhas habilidades futebolísticas. Pela cozinha espanhola de Pepe valia a pena o sacrifício.

Eu gostava daquela experiência, mas, como diz o ditado, “tudo o que é bom dura pouco”. E durou pouco mesmo para mim, uns seis meses depois, quando já estava me acostumando com os trancos dos adversários e os chutes de bico naquelas estranhas chuteiras, veio a notícia: Pepe recebera uma proposta para vender o imóvel de seu restaurante e o La Bilbaina iria desaparecer, junto o Hispano FC. Foram mais dois ou três jogos até o encerramento do torneio e o fim do time.

Pepe organizou uma grande festa de despedida com muita comida, muito vinho, muito discurso e muitas lágrimas. Prometeu que passaria uma temporada em Bilbao sua terra natal e voltaria. Nunca mais ouvi falar de Pepe. Mas sempre que chego perto de uma paella não tenho como não relembrar aqueles momentos.

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