terça-feira, 15 de setembro de 2009

1957/Migueleto

Outro dia, lendo um post no blog de meu amigo Marcio Macedo www.newyorkibe.blogspot.com, em que aborda o tema “moda”, fui levado de volta ao tempo em que morava em Manhattan .

Ansioso por encontrar um patrício e amenizar assim as saudades que sentia de casa, ficava observando as vestimentas das pessoas nas ruas, cafeterias, elevadores , metrô. Nos homens procurava notar o feitio de suas roupas e nas mulheres além das roupas o feitio de seus corpos. E foi assim que encontrei alguns brasileiros que por lá andavam e até fiz algumas boas amizades.

Na época, no Brasil, a moda masculina tinha uma caracteristica: o corte acinturado tanto para camisas como para paletós. As mangas dos paletós era mais curtas para que os punhos das camisas , quase sempre ornamentados com vistosas aboaturas, pudessem aparecer. Já lá nos “states”os paletós e blaisers tinham um corte reto com 3 botões e duas aberturas na trazeira. Abotoava-se os dois botões de cima para baixo ficando o terceiro livre. As mangas tinham normalmente o comprimento dos braços, o que tornava para mim uma dificuldade comprar algo sem precisar reformar, uma vez que com minha estatura média de brasileiro, as mangas de camisas ou paletos quase chegavam nos joelhos.

Às mulheres americanas com certeza faltava o charme e a graça da mulher brasileira, além do que pareciam tábuas, tal a falta das curvas tão notadas em nossas compatriotas. Acho que era até mais fácil distinguir uma brasileira no meio delas, do que achar um brasileiro no meio daqueles branquelos de pernas longas e braços compridos.

Na minha busca “trombei” com o mineiro Migueleto. Não me lembro de seu primeiro nome, talvez até porque ele nunca o tenha mencionado, mas o seu paletó cinturado e os punhos de sua camisa ornamentados com vistosas abotoaduras, o identificaram como brasileiro na minha primeira olhada.

Aconteceu numa tarde quando caminhava pela Broadway em direção a estação do metrô da rua 72, e ví o tipo caminhando e seguindo com olhares provocantes todas as mulheres que por ele passavam (mais uma caracteristica brasileira). Vestia um terno risca de giz acinturado, abotoaduras vistosas e não tive dúvidas fui logo indagando com tom afirmativo “você é brasileiro?” Sou ! veio rápida a resposta e dai o inicio de uma grande amizade, que durou por todo o tempo em que lá morei.

Migueleto era fisicamente um tipo bem diferente. Muito feio para qualquer padrão de beleza. Seu cabelo lembrava um rato pelado, desengonçado e magrelo.

Sem dúvida tinha um charme que tocava as mulheres. Quando alguem combinava uma “party”no final de semana, tinha que convidar Migueleto...e suas amigas. Era sucesso garantido, a ponto de numa dessas, convidaram o próprio e suas amigas, mas esqueceram de convidar um número razoável de amigos. Resultado? 30 mulheres e 12 homens num apartamento novaiorquino de 50 metros . Fracasso total da festinha pelo total desequilibrio das partes. Nessa festinha particularmente, tive que assumir o interfone, e a cada chamado que recebia do portão de entrada, quando a voz era feminina perguntando por Mr. Migueleto já respondia “we got no Mr. Migueleto in this apartment”, na esperança de salvar a noite. Mas foi tudo em vão, pois as convidadas do amigo que chegaram a entrar na festinha, ao reparar o “score” iam, aos poucos e sorrateiramente se retirando daquilo que para elas era um verdadeiro”mico”.

Numa outra ocasião, durante um evento no Central Park que apresentava um festival de quartetos vocais o“Barber Shop Quartet Festival”, Migueleto aprontou mais uma. Telefonou-me fazendo um convite - ”Carioca você vai hoje ouvir o melhor da música tradicional americana. São quartetos vocais exclusivamente formados por barbeiros e cantam muito!” Eu me entusiasmei, e ansioso me dirigi ao encontro do amigo, que morava a poucas quadras de minha casa, no west side, em um prédio meio decaido que, naturalmente, não existe mais. Esperei como que uns 30 minutos até que desisti e fui sozinho para o Central Park. O local eu já conhecia, pois ficava próximo do rink de patinação que eu costumava frequentar. Cheguei com o festival já iniciado e bem concorrido. Muita gente. Me arrumei e curti . Foi de fato uma tarde inesquecível, pessoas de vários cantos do país demonstrando suas qualidades musicais, sendo que na realidade, eram todos de fato barbeiros. Era uma tradição. Não sei se ainda existem esses festivais. Enriqueci minha discoteca com vários lps do gênero, depois daquela apresentação. Mas e Migueleto? Na minha volta para casa, ao sair do Central Park, observei um grupinho de umas 10 pessoas, a maioria mulherers que riam, davam gritinhos, cena comum que não chamaria a atenção de nenhum morador daquela cidade, fui me aproximando e me deparei com meu amigo Migueleto acompanhado de um macaquinho amestrado, que fazia graça e truques. Não entendi nada, até receber do amigo a justificativa pelo “cano”e o que representava todo aquele circo. “Acontece meu amigo Carioca, que a mulher americana é louca por qualquer bichinho de estimação, e uma amiga dona desse bichinho, me pediu um grande favor de dar uma voltinha para que ele tomasse um ar. Não podia negar-lhe o pedido. O que não esperava era ter todo esse sucesso. Fica tranquil, que estamos com a noite garantida”.

Esse era meu amigo Migueleto. Um sucesso com as mulheres, e que com sua tremenda “cara de pau “ conseguia abrir várias portas. Foi ele quem me apresentou a um dos maiores músicos de jazz que tive oportunidade de conhecer. O baterista e lider do grupo The Messengers , Art Blakey. Foi num barzinho no Village, aonde Art Blakey se apresentava todos os sábados, a partir das 5 horas da tarde. Pareciam amigos de longa data. Não entendia como o músico americano conseguia se comunicar com alguém falando tão mal o inglês. Tínhamos sempre uma mesa reservada quando das apresentações do grupo de jazz de Art Blakey. Migueleto chegou a ir umas 2 ou 3 vezes, mas eu me tornei assíduo frequentador. Sozinho ou com algum amigo que curtisse o som do jazz. Por uma incrivel coincidência, muitos anos depois, creio que no final dos anos 80, o músico americano veio ao Brasil e ficou hospedado na casa de minha prima Baby Consuelo, hoje Baby do Brasil, de quem tinha se tornado grande amigo.

5 comentários:

Márcio Macedo disse...

Lafa,
Fico pasmado toda vez que entro no seu blog com a sua memória mais que viva. Pois é, muito louca essa história desse seu encontro com Migueleto via a roupa que ele usava. Acho que dá usar uma analogia feita por um antropólogo francês, Claude Levis-Strauss, para a moda como um grande sistema classificatório que nos ensina a ler as pessoas. Você leu direitinho o brasileiro! Cara, que inveja de você de ter conhecido e virado amigo do Art Blakey. Esse foi uma das feras do hard bop junto com seu grupo The Jazz Messengers. Inclusive (não sei se você o conheceu também) Horace Silver, outro componente do grupo, tem uma distante ligação com o Brasil. Silver vem de "Silva". Ele nasceu em Connecticult, mas a família era de Cabo Verde e falava português. O pai gostava de música e americanizou o nome da família para Silver. O músico era uma das grandes cabeças por trás do Messengers - ele tocava piano - e muitas das suas composições tem a influência de ritmos latinos. Pois bem, ainda não encontrei um Migueleto por aqui... hahahahahaha...
Abraços com saudades,
Márcio/Kibe.

lafayette hohagen disse...

Meu caro Kibe, realmente tive o privilegio foi de viver uma época muito especial. Gosto muito do Horace Silver mas não sabia que sua familia era de Cabo Verde!Agora os Mesengers tiveram em seu grupo que as vezes era quinteto, sexteto, enfim teve várias formações,músicos que ali cresceram como Freddie Hubard,Wayne Shorter,Lee Morgan ,Benny Golson e muitos outros.
Foi muito bom relembrar esse tempo e o bom amigo Migueleto.Uma raridade. Obrigado pelas palavras e o estimulo.Grande abraço do Lafa

Raphael Neves disse...

Lafa,

Quando alguém tocar aqui em casa, vou dizer: "We got no Migueleto". Hahaha, adorei!

Abração,
Rapha

Info Produto Web disse...

Gostei bastante... foi muito interessante para mim...

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Anônimo disse...

lafa procurando por parentes no google me deparei com o seu blog pelo titulo do seu conto- migueleto. incrivel- este migueleto era meu tio. ele morou muitos anos nos eua. era realmente muito feio . palido. porem tinha um charme especial . nunca casou. adora jazz. detestava cigarro e gibis. morreu ha muito tempo, vitima de cancer. o nome dele- ubaldo- irmao do meu pai. bom, valeu a lembranca como uma homenagem. parabens e obrigado. cleber migueleto